Alessandro Barnabé Ferreira Santos (USP)
Do vaso da China partido, papéis velhos: o testemunho poético de Jorge de Sena
Jorge de Sena estabelece uma tradição poética própria que haveria de tecer relações dialéticas com a poética do fingimento de Fernando Pessoa e com os demais projetos poéticos que aparecem na primeira metade do século XX português. De sua poesia, destaco um aspecto que interessa a esta comunicação, ou seja, o momento musical presente no despertar para uma consciência poética do testemunho. Trata-se de um movimento efcrástico que pode ser observado em Metamorfoses (1963), obra composta de poemas feitos a partir de objetos artísticos visuais (pintura, escultura) e a imagem de um objeto tecnológico (Sputinik I), e em Arte de Música (1968), composta de poemas cujos referentes são peças musicais de diversos compositores da música erudita. Tendo em vista o caráter meditativo dos poemas ecfrásticos de Jorge de Sena, esta comunicação tem por objetivo a análise da sua poética a partir do poema “«La Cathédrale Engloutie», de Debussy”, de Arte de Música, em que o poeta dá a ver as relações que mantém com a música e a sua importância para o despertar de uma consciência poética atenta ao mundo e ao outro, aspecto indispensável na realização do testemunho poético.
Alexandre Bonafim Felizardo (UEG)
O espaço existencial na poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen
Para a poeta portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, o espaço existencial do homem tornou-se um centro gerador da escritura, um fundamento para a criação poética. A espacialidade criada pela linguagem serve como um ponto catalisador, base pela qual a poeta explicita um fecundo mergulho no mundo, em que seres e coisas são captados por um vislumbre lírico de êxtase e paixão. Com efeito, o real, em sua aparição epifânica, ganha uma aura de encantamento, pela qual a voz lírica se conjuga no mundo, formando um verdadeiro tecido inconsútil. Assim, dessa intensa relação com os espaços, nasce uma aguda consciência dos limites humanos e de nossa condição histórica. Diante de um mundo em ruínas, a poeta irá empreender um canto de resistência, denunciando, principalmente nas cidades reificadas, a crescente desumanização do homem. Tanto a espacialidade é fundamental na obra de Sophia, que podemos dizer que sua escrita é uma “topoiesis” ou “topoética”. Dessa forma, para a escritora portuguesa, o ser do homem traduz-se, liricamente, pelo estar no mundo. Nessa abordagem, pela luz de Bachelard e demais teóricos do espaço, intentamos problematizar a questão espacial na obra de Sophia, na busca de uma maior compreensão dos dilemas espaciais em sua obra.
Ana Carolina Araujo Soares (UFRJ)
“Musa, ensina-me o canto”: o desejo de liberdade no ecoar do verso
A comunicação visa a comparar criticamente os poemas “Musa”, de Sophia de Mello Breyner Andresen, publicados em Livro sexto (1962) e Dual (1972), buscando analisar a questão da reflexão como meio de conhecimento do estar no mundo, a partir do que propõe Benjamin, quando disserta sobre o significado da reflexão em O conceito de crítica de arte no romantismo alemão. Com um espaço de dez anos entre a publicação dos poemas, percebemos que não é apenas o título que se repete, mas o verso “Musa, ensina-me o canto” ecoa em ambos, apresentando um clamor à Musa diferente daquele encontrado na poesia épica. Enquanto nessa o clamor era pelo cantar, o verso de Sophia mostra que é preciso ensinar o canto, uma vez que agora não basta que esse seja apenas ouvido, pois há uma necessidade de aprendizado para que o desejo de coletividade expresso no poema publicado em 1962 se concretize. Pretendemos compreender, ainda, o canto como meio para a liberdade em um contexto político no qual a impossibilidade de externá-lo corta a garganta. Dessa forma, buscamos fazer dos dois poemas nosso espaço de reflexão para compreender de que maneira o cantar da Musa representa esta forma de liberdade.
Ana Luísa Amaral (Univ. do Porto)
Entre-Cartas: paisagens com poemas, filhos, dois mares e liberdade ao fundo
Partindo do conceito de carta como forma de “fazer aparecer o rosto próprio junto ao outro”, ou seja, enquanto “abertura de si que se dá ao outro” (Michel Foucault), em gesto portanto ético e de “acto” poético e político, dividirei a minha exposição em três momentos. O primeiro centrar-se-á nalgumas cartas entre Sophia e Sena; o segundo, na carta enquanto tópico na poesia de ambos; finalmente, e num registo mais testemunhal e poético, falarei da minha própria relação com a poesia de Sena, mais concretamente do diálogo que o meu poema “Um pouco só de Goya: Carta a minha filha” estabelece com o belo poema de Sena “Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya”. Para além de Foucault, também Emmanuel Levinas e Judith Butler serão trazidos em pano de fundo para estas paisagens com eus, outros, mares e liberdade.
Ana Maria F. Côrtes (UNICAMP-IEL)
“A substância de tudo”: Sophia de Mello Breyner Andresen leitora de poesia
Este trabalho se propõe a discutir alguns dos diálogos que a poeta Sophia de M. Breyner Andresen constrói, em sua obra, com outros escritores, que foram, também, referências importantes para Andresen enquanto leitora. Nosso objetivo é investigar o estatuto do poeta e da poesia na obra da poeta e o modo como ela constrói seu projeto poético, aliando sua voz à de outros escritores. Dentre os diferentes nomes que a crítica aponta como influências importantes em sua poesia, conferimos destaque aos de Luís de Camões, Fernando Pessoa, Rainer Maria Rilke e Friedrich Hölderlin. Entendemos que as quatro relações que discutiremos estão perpassadas pela leitura que a poeta faz desses escritores e, simultaneamente, de sua própria poesia. Nesse sentido, nossa leitura é a de que essas referências são mobilizadas e interpretadas de antemão por Andresen, de forma que contribuam para a construção de seu projeto poético e para a visão que ela deseja construir acerca da poesia no Portugal da segunda metade do século XX. A grande questão que emerge do modo como a poeta articula a sua obra às de outros escritores é a importância da poesia, cuja defesa Andresen toma para si como um projeto de vida.
[O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001]
Ângela Beatriz De Carvalho Faria Rio de Janeiro (UFRJ)
A presença humana e a dimensão política em Contos Exemplares de Sophia de M. B. Andresen
A partir da leitura dos contos “Homero” e “O Homem”, inseridos em Contos Exemplares (1962), pretende-se discutir alguns temas recorrentes na obra de Sophia de Mello Breyner Andresen, passíveis de refletirem o entrelaçamento entre o político e o estético. A essa “partilha do sensível” (Rancière) serão acrescentadas as reflexões filosóficas de Georges Didi-Huberman (O que vemos, o que nos olha) e os ensaios críticos de Federico Bertolazzi (“Prefácio” à coletânea de contos), Eduardo Prado Coelho (“Sophia: a lírica e a lógica”) e de Helena Carvalhão Buescu (“Sophia no país das maravilhas”). A criação de personagens singulares – corpos errantes e desamparados – inseridos na sociedade contemporânea e desumana tornam-se metáforas do corpo político. Passíveis de referenciar ressonâncias de vestígios arcaicos e imutáveis, retidos no inconsciente coletivo, tais contos apontam para “a valorização do ato de ver como teoria e fundamento de toda reflexão”, para “a co-naturalidade homens-deuses” e para o ato genesíaco da nomeação e da evidência do real. Observa-se, assim, na obra da autora portuguesa contemporânea, o entrelugar do som e do silêncio e “a incorporação de valores éticos como liberdade e justiça”.
Angela Maria Rodrigues Laguardia (CLEPUL -Univ. de Lisboa)
Figurações do feminino em Sophia de Mello Breyner Andresen, a poeta que amava os Gregos
Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), uma das maiores vozes poéticas do século XX, foi a primeira escritora portuguesa a receber o “Prêmio Camões”, em 1999. Seus primeiros versos foram publicados em 1940 e, em 1964, obteve o “Grande Prémio de Poesia da Associação Portuguesa de Escritores”. A grande ficcionista, que se notabilizou com vários contos infantis e com a coletânea Contos Exemplares (1962), publicou artigos, ensaios e teatro; e ainda foi destacada tradutora, inclusive de clássicos. O presente estudo incide sobre as figuras clássicas femininas que habitam a poesia de Sophia. Para isto, partimos da seleção de alguns poemas que estão inseridos em Coral e Outros Poemas (2015), recente antologia sobre a obra da autora no Brasil, organizada pelo poeta e ensaísta Eucanaã Ferraz. A coletânea, que é fiel à “ordenação cronológica” dos livros da autora, segundo o autor em sua apresentação, parte do conjunto da obra da escritora, seguindo o critério amoroso e crítico em sua elaboração. Para nossa análise, elegemos um corpus que contempla os poemas que evocam o feminino, revisitam e dialogam com os mitos gregos, atravessam e ultrapassam o tempo para encontrar em outras vozes, de poetas ou não, a ressonância deste diálogo com a Antiguidade clássica e a atualidade.
Annie Gisele Fernandes (USP)
Jorge de Sena e os seus sonetos – ainda que não
É sabido que nos Oitocentos a poesia teve alterados os seus elementos constitutivos, sejam os temáticos, sejam os estético-formais e isso levou, a título de exemplo, a serem compostos sonetos em tom de crônica (A. Nobre); soneto com metros de diferentes tamanhos (Baudelaire); sonetos constituídos de versos decassílabos de acentuação variada (A. Nobre; C. Pessanha). Contudo, o modelo de soneto em Portugal sempre foi o petrarquiano – e foi nele que a renovação poética se deu. Raríssimas vezes se compôs o shakespeariano, que Jorge de Sena considera e reestrutura. O “Soneto ainda que não” segue o esquema estrófico 8-4-2 e por si só faz pensar no quão perturbadora é essa larga variação na estrutura do soneto, incomum em Portugal nesse nível. Visto contra o pano de fundo de outros sonetos que Sena compôs torna-se ainda mais inquietante essa quase obsessão do poeta em transformar significativamente uma estrutura clássica por excelência. Portanto, partir da leitura do “Soneto ainda que não”, escrito por Jorge de Sena no Brasil em 1959 e publicado em Peregrinatio ad loca infecta em 1969, se propõe lançar um olhar analítico para a obra do poeta de modo a investigar como ele tratou essa forma clássica e a “reinventou” em sua época.
António Carlos Cortez (CLEPUL – Univ. de Lisboa)
Jorge de Sena & Gastão Cruz: para além deste oceano
(Existência e Sobre esta praia... oito meditações à beira do Pacífico - a poesia, testemunho, testamento)
Entre Jorge de Sena (1919-1978) e Gastão Cruz (1941) são subtis, mas nem por isso menos marcantes, os pontos de contacto, seja quanto à consciência do poema como produto de uma emoção intelectualizada, seja como acto testemunhal. Se em Sena a teoria do testemunho implica a construção de um discurso singularmente clássico, porque multímodo, nele se tentando ultrapassar surrealismo e outros "ismos", esse desejo de superação atinge em Sobre esta praia... Oito meditações à beira do pacífico a súmula de uma visão do mundo que está para lá de qualquer poetização da vida. A poesia como que se desnuda para ser apenas o cântico final de um homem de cultura, imerso na "fiel dedicação à honra de estar vivo" e que nesse poema deixa impressa a sua convicção de que "para emergir nascemos". Como testemunho e testamento, também o último livro de Gastão Cruz (Existência, 2017) pode ser lido como declaração do amor ao humano, compreendendo-se melhor a vida da poesia porque se compreende melhor o mundo das "emoções linguísticas" que todo o poema é. Existência servir-nos-á para colocar sob o signo de uma singular teoria do testemunho gastoniana esse volume onde o poeta revê a sua vida e a explica (senianamente?) à luz da "cortina fria" da linguagem reveladora da arte da palavra - a poesia.
António Pedro Pita (Univ. de Coimbra)
Pensar a “experiência contemporânea”: o contributo de Maquiavel e outros estudos de J. de Sena
Jorge de Sena publicou várias obras que se situam no campo que podemos genericamente designar por “história das ideias” ou “história da cultura”. Em todas elas, podemos surpreender, pelo menos implicitamente, a valorização de “uma dialética histórica entre o tempo deles e o nosso”. No volume editado em 1974, porém, os textos reunidos acentuam explicitamente essa relação, na medida exata em que Jorge de Sena pretende analisar o seu "significado" “para a nossa experiência contemporânea”. Reeditada em 1991, com o título Maquiavel, Marx e Outros Estudos, a obra permaneceu na sombra singular projetada pela gigantesca produção poética, ficcional e crítico-ensaística de Sena. O propósito da comunicação é duplo: sublinhar a importância histórico-cultural da obra, com realce para alguns elementos de novidade que ele trouxe e traz ao conjunto da obra de Jorge de Sena e avaliar o seu contributo para uma compreensão da “experiência contemporânea”, no sentido preciso em que “contemporâneo” não significa “atual”.
Beatriz Helena Souza Feminino Cruz (UFRJ)
Estudos senianos: ensaios políticos.
Considerando a variedade e extensão da obra de Jorge de Sena, bem como seu posicionamento testemunhal diante do mundo e da vida, que se realizou por meio da arte, esta comunicação versará sobre nossa tese de doutoramento, recentemente defendida, que abordou um de seus volumes de Ensaios, Maquiavel, Marx e outros estudos, publicado em 1974, no qual o autor de Metamorfoses traça um percurso pela história do pensamento humano, tendo como base obras e autores prefaciados e estudados, principalmente Karl Marx, Andre Malraux e Shakespeare, em que se atualiza o desconcerto camoniano nas incertezas dum mundo em constante movimento.
Carlos Mendes de Sousa (Univ. do Minho)
"Toda a vida vivida"
Em toda a obra de Sophia de Mello Breyner Andresen (na poesia, na ficção, no teatro e no ensaio) impõe-se o extremo sentido de unidade procurada e encontrada, isto é, profundamente vivida. Pretendo apresentar uma leitura do percurso da autora, em função do modo como, a partir de qualquer ângulo, a partir de qualquer texto, permanentemente se revela essa profunda unidade entre a obra e a vida. Procurarei mostrar que, do princípio ao fim, na vida e na obra, se persegue aquilo que Sophia referiu a propósito de Pascoaes como “fidelidade total à aspiração primeira de toda a poesia: o desejo de sermos um com o universo”.
Carolina Anglada (UFOP)
Navegar, derivar: o dizer para ver de Sophia
A poeta Sophia de Mello Breyner Andresen, na década de 80, publica Navegações (1983) e Ilhas (1989), obras que, às suas maneiras, retomam e desdobram os lugares de Geografia (1967), agora tingidos de ouro e safira, tal como a terra se fazia miragem diante dos conquistadores. Porém, na rota do Oriente, a poesia não cega diante da resplandescência dos descobrimentos, mas se busca na errância por cidades inundadas, ao encontro de escritores emigrados e exilados, deuses sombrios, dragões de longas caudas, biombos e quimonos, deixando-se espantar com a veemência desse outro visível. Na atenção dessa paisagem, intentamos tratar da relação entre o dizer e o ver, buscando acompanhar a deriva da imaginação por pórticos, arenas, espaços inebriados de sombras, cheiros e sons, responsáveis por nos abrir o imaginário aos múltiplos sentidos do possível, abrindo-nos ainda para uma poética que inscreve a derivação no real da escrita.
Clarissa Xavier Pereira (UFMG)
O oceano tem dois lados: uma leitura das paisagens litorâneas nas poéticas de Sophia de Mello Breyner Andresen e Ana Martins Marques
As relações traçadas entre textos que datam desde a antiguidade clássica até a literatura contemporânea surgem na obra de Sophia de Mello Breyner Andresen como uma rede de convergências ou um grande espaço no qual a passagem do tempo deixa rastros sincrônicos. É parte do projeto poético deixado por Andresen a compreensão de um mundo regido por sua inteireza, caráter inerente a todos os seres, objetos e espaços por eles ocupados. Não havia como ser diferente em relação à literatura: os elementos mobilizados como lugares-comuns pela poética andreseniana parecem, por vezes, investigar a sua própria condição de construtos literários. Similar ao modo como traz a Antiguidade à tona para o presente, a poesia de Sophia Andresen ressoa também na contemporaneidade brasileira, a partir de poetas que passeiam pelas tópicas recorrentes da autora portuguesa e refazem o percurso investigativo de um olhar que se dispõe a ser sobretudo atento. Esse movimento é notável na obra de Ana Martins Marques, poeta de crescente reconhecimento, que traz nas imagens litorâneas construídas ao longo de sua obra referências da forma como tais paisagens foram marcadas pela poeta portuguesa ao retomar, em releituras, diálogos com a literatura clássica.
Clelio Toffoli Júnior (PUC-Rio)
Jorge de Sena e o Surrealismo português - um debate cultural.
Pretende o presente trabalho traçar um panorama da atuação do ensaísta Jorge de Sena no debate sobre o surrealismo português, nascido oficialmente em 1947 com o Grupo Surrealista de Lisboa e tendo à proa as figuras de António Pedro, José-Augusto França, Alexandre O´Neill e Mário Cesariny. Partindo de um distanciamento crítico, Sena apontou aporias e dificuldades de se reconhecer um movimento surrealista tão tardio em relação à matriz francesa e, mais, surgido no pós-guerra, onde, em linhas gerais dizia ele, não haveria lugar naquele mundo inexcedivelmente real da época para deleites automáticos, jogos de humor e experiências lúdicas na poesia. Atracava sua crítica num vasto conhecimento do surrealismo francês, experiência esta que estertorava quando do surgimento do movimento em Portugal. Mesmo adotando essa postura a princípio contundente, é importante frisar que Sena nunca negou o talento poético dos principais nomes do surrealismo português, chegando a dedicar-lhes várias antologias. Entretanto, a reação dos surrealistas, Cesariny à frente, foi sempre dura e gerou um debate público que, hoje já distante no tempo, pode-se dizer que foi de extrema valia para o amadurecimento daquela vanguarda no meio das letras portuguesas.
Constance von Krüger de Alcântara e Silva (UFMG)
Paisagem e palavra; Sophia e silêncio
Sophia de Mello Breyner Andresen, poeta de nome longo, anuncia sua paradoxal filiação à estirpe do silêncio em diversas passagens poéticas de sua obra. Em poema de Geografia (2004), escreve: “O meu interior é uma atenção voltada para fora”, trecho que serve de epígrafe à leitura que percebe Sophia como a poeta que olha a paisagem ao seu redor – e que está à escuta do mundo com o rigor da atenção. A autoridade do gesto de escuta, da impressão do próprio corpo como registro biográfico, da substituição do rosto pela memória do vivido é inflexão de autoria de força penetrante – o que explica como o mar, exemplo extremo, é uma paisagem andreseniana de maneira distinta do que se apresenta na genealogia do mar português. A comunicação aqui proposta visa a investigar a relação de Sophia com a paisagem que a rodeia, a partir do pressuposto de que é a poeta que ouve o mundo, o que inaugura uma subversão da tradicional posição do poeta como aquele que impregna o mundo da sua voz. Diante de tal hipótese, serão ensejadas reflexões acerca do próprio nome da poeta, da sua filiação ao mar e da sua vocação para a escuta – o que afasta potentemente o rosto da poeta de sua identidade, que se alinha mais à paisagem que a rodeia.
Diogo Fernandes de Oliveira (UFRJ)
A presentificação do mar pelo erotismo em Sophia de Mello Breyner Andresen.
Que o mar seja um elemento central na poética portuguesa é ponto pacífico, que o mar seja um elemento central em Sophia de Mello Breyner Andresen também, no entanto, cada poeta experimentou e expressou uma determinada relação com o mar. É a relação de Sophia com o mar, sobretudo presente em alguns de seus poemas o objetivo de nosso interesse. Há em seu registro poético o erotismo como elemento fundante de uma outra experiência com o mar. É pelo erotismo e no erotismo a presentificação de uma experiência própria, a de Sophia, mas que uma vez comunicada, também passa a ser a do leitor, com o mar, e nessa relação é que se revela o mar de Sophia. A nossa comunicação persegue essa presentificação.
Eduardo Russell (PUC-Rio)
"Fala, emerge, aparece": Sophia leitora de Miguel Torga
Sabe-se que a relação de Sophia e Torga se dá, entre os vários motivos, pelo tempo, circunstância, local e experiências que compartilharam. Ambos foram poetas em Portugal meio às difíceis questões políticas e ideológicas que, sem dúvidas, comprometeram a liberdade artística nas quatro décadas do regime ditatorial. Os poetas viveram de perto os efeitos do salazarismo e suas imposições. O presente trabalho, concentrando-se na escrita ensaística de Sophia Andresen, e sem deixar de examinar sua poesia, objetiva discutir as relações que se podem estabelecer entre a sua obra com a Miguel Torga. Para isso, examinar-se-á o texto ensaístico como produção específica e, em particular, o andreseniano como cena reflexiva e criativa sobre o próprio lirismo.
Elaine Martins (UFMG/CEFET-MG)
Jorge de Sena e Murilo Mendes: poetas-críticos em diálogo
Tendo como ponto de partida a correspondência inédita mantida entre o português Jorge de Sena e o brasileiro Murilo Mendes, no período de 1961 a 1975, pretende-se uma leitura das trajetórias poético-biográficas e da relação entre esses poetas no contexto da produção e divulgação da Literatura Lusófona na América e na Europa. As condições comuns de contemporâneos, viajantes, exilados, professores universitários e do recebimento do Prêmio Internacional de Poesia Etna-Taormina são alguns dos marcadores que, à luz da crítica biográfica, sinalizam convergências dos seus lugares como poetas críticos em diálogo.
Erivelto da Silva Reis (Secret. de Estado de Educação - RJ)
A eloquência épica do trágico no poema “Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya”, de Jorge de Sena
O presente ensaio pretende apresentar uma análise do poema “Carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya”, de Jorge de Sena. Pretende-se demonstrar os efeitos que o autor condensa em um poema lírico: o primeiro deles, aproximar poesia de escrita epistolar com a eloquência do testemunho lírico que faz com que o poema tenha a eloquência de quem narra o trágico. Seja pela narração clara de um fato histórico importante, seja pela proposição de contar algo vivenciado do ponto de vista de um indivíduo (seria o ponto de vista de um herói trágico?), em testemunho. Assim, a eloquência de quem testemunha se une ao horror de que se torna vítima, senão diretamente do evento trágico, mas pressente-se como tal, pela percepção da dimensão da ruptura e dos novos padrões que a tragédia inaugura. Com em uma espécie de catarse dupla: uma no momento do testemunho e uma como herança e legado, como paradigmas do que se pretenda evitar. Como apoios teóricos para esse ensaio serão utilizadas as obras O pacto autobiográfico: de Rousseau à internet (2008), de Philippe Lejeune em diálogo com a obra Mito e tragédia na Grécia antiga (1999), de Jean-Pierre Vernant e Pierre Vidal-Naquet, especialmente no capítulo I, que trata das condições sociais e psicológicas da tragédia.
Eucanaã Ferraz (UFRJ)
Sophia de volta ao Brasil
A passagem de Sophia pelo Brasil deu à sua obra pelo menos dois poemas que tornaram clássicos “Poema de Helena Lanari” e “Brasília”. Mais do que versos de viagem, são poéticas. Portanto, em terras brasileiras, Sophia reencontrou-se com o essencial de sua linguagem. Propomos refazer essa viagem no que ela pode oferecer de documental e de matéria crítica.
Eunice de Morais (UEPG – Univ. Estadual de Ponta Grossa)
Autoficção e história em Sinais de fogo
Analisaremos Sinais de fogo (1979), de Jorge de Sena, tendo por base os estudos sobre a autoficção e sobra a ficção histórica. A partir da observação das estratégias do narrador-personagem Jorge para combinar, mudar ou amalgamar ficção e biografia, configurar Jorge como uma efabulação de Jorge de Sena, para além do relato ou do retrato autobiográfico. O estudo pretende ainda relacionar perspectivas do narrador, considerando a rememoração e a ficionalização do episódio de 1936, a eclosão da guerra civil de Espanha, como associação entre o individual e o coletivo na composição do sujeito.
Federico Bertolazzi Roma (Univ. di Roma "Tor Vergata")
"No reino terrível da pureza": a prosa dispersa de Sophia
A comunicação visa descrever a prosa dispersa de Sophia que durante 50 anos, de 1953 até 2003, com ensaios, entrevistas depoimentos e textos de diversa natureza, participou com consciência crítica na vida cultural do seu país.
Fernanda de Azevedo Pizarro Drummond (UFRJ)
O rapto dos deuses: ruína e desejo de religação em Sophia de Mello Breyner
A poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen emerge a partir de um mundo que prevê a insistência de ruínas, como atesta o poema de abertura da sua obra: “Apesar das ruínas e da morte”. Desde o início, portanto, vemos que as coisas viventes não só são finitas como se apresentam em ruínas, uma inquietação que torna a sua produção poética atenta ao aspecto benjaminiano da ruína fragmentária analisado pelo filósofo alemão em obras como Passagens e A origem do drama barroco alemão. Em seus muitos textos metapoéticos, Andresen explicita as razões de sua poesia, surgida por uma atração pelo real e um modo de escrever disponível à escuta do latente em cada imagem até que floresça num território que busca a unidade entre todas as coisas. Nesse sentido, para procurar um norte de unificação, seja para reconhecer a fratura que torna a natureza um espaço inóspito, esta poesia lança mão de cenários duais: jardim e praia, noite e dia, mar e pedra. Procuramos, nessa comunicação, entender que papel essa dualidade desempenha na construção poética de Sophia de Mello Breyner Andresen, por meio de um ponto de vista que anule hierarquias entre o homem e o seu meio.
Flavio Garcia (UERJ)
Perambulando pelas Andanças e pelas Novas andanças do Demónio.
Jorge de Sena publicou, em 1960, a coletânea Andanças do Demónio. No prefácio, ele aponta, referindo-se a neo-realismo, psicologismo, realismo mágico, surrealismo etc., uma absoluta ausência de unidade escolar, que o repugnava, contudo, afirma que, nos contos, há, um pouco dessa diversidade genológica, havendo tanto aspectos verdadeiros, quanto fantásticos. Em 1966, publica outra coletânea sob o mesmo mote, Novas andanças do Demónio. Segundo ele, “Nestas andanças novas, como em metade das anteriores não acontecia, predomina uma inactualidade aparente, ou pelo menos o realismo fantástico ou o historicismo imaginativo”. Com tantas barbaridades acontecendo, e certa falência do “tão estimado realismo tradicional de meia-tigela estética”, “uma total fantasia, ou o aproveitamento de elementos dela, pode[ria] permitir uma intensidade realística que seria, em ‘actualidade’, muito mais chocante”, já que, “no plano da aparente fantasia, a intensidade realística”. Assim, em “perambulações demoníacas”, Jorge Sena flertou com múltiplas variantes do insólito ficcional.
Gabriel Guimarães Barbosa (UFRJ)
Atravessar quatro jardins de Sophia de Mello Breyner Andresen
Pretendemos analisar as imagens dos jardins na poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen, entendendo-as como paisagens privilegiadas para pensar a sua escrita. Com forte carga metapoética e presentes em quase todos os seus livros, seus jardins revelam-se mais que ambientes, mas percursos capazes de responder a perguntas fundamentais para a poeta de Coral: de onde vem o poético? Qual a função da poesia? Como pôr, em versos, a realidade que nos circunda? Pensando nessas perguntas, pretendemos analisar quatro poemas com jardins do primeiro livro de Sophia, Poesia (1944), relacionando-os com sentidos temáticos e estruturais de sua obra como um todo e evocando textos de leitores como Pedro Eiras e Sofia de Sousa Silva. Para atravessar esses jardins, consideramos ser importante tomar como base teórica os estudos de poesia e paisagem de Michel Collot, bem como a fenomenologia da percepção de Maurice Merleau-Ponty, buscando um diálogo entre os conceitos filosóficos e as imagens poéticas da poeta portuguesa.
Gabriela Silva (URI – Univ. Regional Integrada do Alto Uruguai e Missões)
Contos exemplares: a construção das personagens nas narrativas de Sophia de M. B. Andresen
Consagrada como uma das mais importantes poetas da Literatura Portuguesa do século XX, Sophia de Mello Breyner construiu uma voz que demarca um espaço de resistência política, rememoração mítica e do sonho pela igualdade e liberdade. De acordo com Manuel Gusmão, a poeta apresenta em sua poética a ética que funda sua articulação do poético e do político. Esta qualidade estende-se aos seus textos narrativos, especificamente Contos Exemplares, conjunto de textos publicados pela primeira vez em 1962. As diferentes narrativas apresentam entre seus elementos constitutivos, personagens que são metáforas ou ainda símbolos de determinados comportamentos humanos. Sophia constrói na poética de seus contos, que transcende a poesia e alcança o poder reflexivo sobre o humano, as diferenças sociais, as idealizações e a concepção de bem e mal. Diferentes possibilidades se configuram na interpretação dos contos andresianos: o mítico, o fantástico e a perspectiva filosófica. Este trabalho propõe uma leitura dos Contos exemplares de Sophia de Mello Breyner, procurando apresentar uma simbologia válida para as personagens das narrativas, numa significação de valores, ideologias e mitos.
Horácio Costa (USP)
O prodigioso físico do Físico Prodigioso
Há anos escrevi sobre a concepção da personagem principal de O Físico Prodigioso, novela que Jorge de Sena escreve em 1964, detendo-me sobre o conceito de pharmakon derridiano que a assiste para augurar o estatuto de coincidentia oppositorum que cifra o relato como um artefato pós-moderno. Na presente oportunidade, pretendo discorrer sobre a unidade mínima do texto –o físico do Físico– que aponta tanto a um vetor homoerótico como a um cinemático, ancorados na cultura visual tradicional e contemporânea no trato, isto é: na construção do corpo masculino.
Ida Maria Santos Ferreira Alves (UFF)
Jorge de Sena: um leitor da poesia brasileira
Pretende-se apresentar o trabalho de leitura de poetas brasileiros realizado por Jorge de Sena, em seu livro Estudos de Cultura e Literatura Brasileira. Com sua atenção crítica e vasto repertório literário, Jorge de Sena buscou pensar a poesia brasileira em diferentes momentos de criação, mas especialmente a poesia moderna, "contemporânea" para o tempo de Sena escritor e ensaísta. Esta comunicação visa, portanto, dar maior visibilidade a uma linha de trabalho desse intelectual português que foi professor no Brasil, que muito escreveu sobre o país de acolhimento, mas pouco é conhecido ou citado no campo dos estudos literários brasileiros.
Inês Espada Vieira (Univ. Católica Portuguesa/ Lisboa)
Jorge de Sena na imprensa portuguesa (1974-1978)
A comunicação debruçar-se-á sobre a presença de Jorge de Sena na imprensa portuguesa, nos quatro anos entre a revolução de 25 de abril de 1974 e a morte do Poeta, a 4 de junho de 1978. Partindo da análise de alguns títulos da imprensa de referência, generalista e especializada, distinguiremos por um lado a presença de Sena na primeira pessoa, e por outro em peças escritas sobre ele e a sua obra. Relativamente ao primeiro, não apresentamos novidades, pois as entrevistas e outros textos do autor na imprensa estão já antologizados; relativamente à segunda perspetiva, revelaremos o que foi publicado (notícias, recensões, crónicas, fotografias) sobre Jorge de Sena. Entre outras datas-chave que selecionámos, passaremos pelo 10 de junho de 1977 na Guarda, e também pelos obituários na altura da sua morte, no ano seguinte.
Joana Matos Frias (Univ. do Porto)
Podereis roubar-me tudo: Sena dirige-se aos meus contemporâneos
No arco que a sua produção poética desenha entre 1950 e 1960 – iluminado pela sequência dos livros Pedra Filosofal, As Evidências e Post-Scriptum no volume Poesia I –, Jorge de Sena vai exibindo sinais de um desassossego com a leitura e recepção da obra, patentes em vários poemas de título muito sintomático, como «Ode para o futuro», «Ode à incompreensão» ou o próprio «Post-scriptum», naquilo que parece ser um exercício preparatório para a súmula heteronímica «Camões dirige-se aos seus contemporâneos», de Metamorfoses. Nesta breve reflexão, procurarei indagar em que medida é possível reconhecer em alguns poetas decisivos da actualidade um conjunto revelador de post-scripta senianos, nos quais, notoriamente [e] só para o contrariar, tudo o que é de Sena, para ecoar-se, encontrou eco.
Joana Meirim (Univ. Católica Portuguesa/Lisboa)
Tradução e talento individual: Jorge de Sena tradutor e antologiador
A comunicação que proponho pretende responder à seguinte pergunta: em que medida o programa poético de Jorge de Sena se confunde com a sua reflexão tradutológica e a sua atividade de tradutor e antologiador? Partindo de um dos argumentos principais de Tradition and The Individual Talent, de T.S. Eliot, a saber, a importância da consciência história na formação de um “escritor tradicional”, esta comunicação pretende averiguar de que maneira tradução, antologia e tradição são termos contíguos na teoria seniana sobre poesia. A possibilidade de escrever no seu tempo sempre consciente da grandeza do passado literário que o precede está bem presente na atividade de Jorge de Sena enquanto tradutor e antologiador de poesia, de que as duas magnas colectâneas Poesia de 26 Séculos e Poesia do Século XX são dois importantes exemplos. Traduzir os grandes nomes desde a Antiguidade até à Modernidade é uma forma de se inscrever na tradição poética; antologiar poetas antigos e contemporâneos é também uma maneira de, justamente, se incluir na história da poesia.
Joana Souto Guimarães Araujo (USP)
Metáfora, matéria, paisagem: uma comparação entre Jorge de Sena, Sophia Andresen e Eugénio de Andrade.
Mediante os conceitos operatórios de “paisagem”, “natureza” e “matéria”, propomos uma análise comparativa de três poetas portugueses aproximados em termos geracionais e estéticos: Sophia Andresen, Eugénio de Andrade e Jorge de Sena. Tendo participado da revista Cadernos de Poesia entre as décadas de 1940 e 1950, e entabulado intenso diálogo de amizade por meio de cartas, esses autores mantêm afinidades ao adotarem modelos pluridinâmicos no plano da imagem, capazes de instaurar novas vias em relação aos paradigmas representativos usuais, e por cultivarem também uma perspectiva dialética perante a tradição, teorizada sobretudo por Jorge de Sena, desde o tempo de editor nos Cadernos. Nessa leitura, portanto, Eugénio de Andrade e Sophia Andresen recorrem dialeticamente a plataformas tradicionais de expressão poética, respectivamente, da natureza e da paisagem, mas para problematizá-las através de modelos reflexivos da linguagem, os quais visavam proporcionar novos dinamismos na tradução da experiência. Jorge de Sena, por sua vez, apesar de ter estruturado seu pensamento teórico-crítico em termos dialéticos, destaca-se entre os três como aquele que mais transcendeu, na poesia, o projeto de estruturação dialética. Isto porque Sena fez aflorar a desordem pelo cultivo libertário das imagens e do trânsito entre códigos semióticos distintos. O eixo comparativo proposto leva em consideração, assim, a discussão em torno da tradição da paisagem, analisada na poesia de Andresen, a noção romântica de metáfora orgânica, tal como aparece na poesia da natureza de Andrade, e o conceito antissistêmico de matéria, que auxilia na leitura e interpretação da imagética seniana.
Jorge Eduardo Magalhães de Mendonça (UFF)
A crítica à imposição do casamento como forma de opressão nas peças "Luto" e "Amparo de mãe", de Jorge de Sena
Este trabalho tem como objetivo, a partir das peças teatrais "Luto" e "Amparo de mãe", de Jorge de Sena, abordar uma visão crítica acerca do casamento imposto, principalmente à mulher, como forma de aceitação às conveniências de uma sociedade patriarcal. Tal estudo será realizado tendo em vista que Sena se opunha a qualquer tipo de censura ou repressão.
Jorge Fernandes da Silveira (UFRJ)
CAPÍTULO SEXTO - Sophia e Cecília em Companhia da Biógrafa e da Fadista no Canto do Conto
“No conto 'Saga', Sophia questiona se Hans estaria já delirante quando pronunciou as últimas palavras. Mas descreve o monumento tumular com pormenor realista, indicando que conhecia este lugar do cemitério e demonstrando, mais uma vez, que se trata de um texto invulgarmente biográfico." (Isabel Nery, 2019). Da informação da biógrafa, e dando voltas ao imaginário marítimo em Sophia e Cecília Meireles, considerar: a) Mar Absoluto: "Foi desde sempre o mar./ E multidões passadas me empurravam/ como o barco esquecido. //Agora recordo que falavam/ da revolta dos ventos, / de linhos, de cordas, / de ferros, / de sereias dadas à costa." ("Mar Absoluto") e Mar Novo: "Agora liberto moras/ Na pausa branca dos poemas. /Teu corpo sobe e cai em cada vaga, / Sem nome e sem destino/ Na limpidez da água." ("Náufrago"); b) outros livros; c) "Naufrágio", versão cantada por Amália Rodrigues para "Canção", de Cecília, chave sonora da interlocução proposta, em perguntas sobre o mar: "Absoluto", por que eterno, inteiro?, "Novo", por que moderno, fragmentado?; "Canção", de Cecília? Ou marca de "o triplo nome Sophia", uma forma de coautoria, em pauta: verso-letra (Cecília) e música (A. Oulman); leitura, escrita, leitura –– Isabel, Sophia, Cecília, Amália.
Jorge Vaz de Carvalho (Univ. Católica Portuguesa/Lisboa)
O sentido da liberdade na poesia de Jorge de Sena
O sentido da liberdade não se resume à teoria política. Se a liberdade é um princípio absoluto, a poética de Jorge de Sena enuncia-a e reivindica-a em diversos sentidos: patriótico, ético, filosófico, religioso, nas relações pessoais e sociais, e, obviamente, na própria expressão literária. Observaremos as particularidade e concomitância destes sentidos na criação seniana.
Jorge Vicente Valentim (UFSCar/UNESP-FCLAr)
Jorge de Sena e Natália Correia: um diálogo (im)provável(?)
A presente comunicação propõe uma leitura dos diálogos possíveis estabelecidos entre duas das principais figuras da literatura portuguesa da 2ª metade do século XX: Jorge de Sena e Natália Correia. Ainda que não exista uma epistolografia entre eles (pelo menos, não textualmente publicada neste gênero), entendemos ser possível fazer uma ponte entre os dois intelectuais da cultura portuguesa. Do primeiro, serão tomados, como ponto de partida, alguns de seus poemas contidos em Dedicácias (1980, póstumo) e dirigidos à figura da escritora açoriana, além do seu ensaio “Escritoras na literatura portuguesa do século XX” (1975) para estabelecer uma probabilidade de ressonância de idéias estéticas e éticas. Em contrapartida, ainda que Natália Correia não tenha explicitado em qualquer ensaio as suas consonâncias e contradições com os postulados senianos, serão consideradas algumas afirmações esparsas suas, incluindo a inserção do autor de Metamorfoses (1963) em, pelo menos, duas das antologias por ela organizadas. Procuraremos, assim, formular uma hipótese de conversa entre os dois autores, pelo menos na esfera das produções literárias, sublinhando, sobretudo, a leitura pontual que Jorge de Sena operou sobre a escrita de autoria feminina em Portugal, com uma atenção especial para a produção de Natália Correia.
José Cândido de Oliveira Martins (Univ. Católica Portuguesa/Braga)
Natureza e função da Crítica Literária em Jorge de Sena
A par da ocasional teorização sobre a Crítica Literária e, sobretudo, do assíduo exercício da Crítica em diversos tempos e modos (da crítica jornalística ao ensaio académico), Jorge de Sena legou-nos naturais e abundantes reflexões dispersas quer sobre a essência e o papel da Crítica Literária, quer mesmo sobre uma tipologia da Crítica. A nossa indagação toma como corpus as entrevistas dadas pelo escritor, entretanto recolhidas em livro; bem como alguns volumes da abundantíssima correspondência com vários e ilustres interlocutores – Eduardo Lourenço, José-Augusto França, Vergílio Ferreira, Eugénio de Andrade e Sophia M. Breyner Andresen. A prolongada reflexão seniana sobre este relevante tema é desenvolvida em diversos registos – do informativo e pedagógico, ao invectivo e amargo –, mas sempre de forma actualizada, atribuindo à Crítica um espaço relevante no campo dos Estudos Literários.
Julia Goulart Silva (UFRJ)
O silêncio, os espelhos e a poesia de Sophia de Mello Breyner e Ruy Duarte de Carvalho
Esta análise debruça-se sobre o livro Geografia de Sophia de Mello Breyner e Hábito da terra de Ruy Duarte de Carvalho. A partir da leitura da obra desses dois autores, destacamos a imagem do “silêncio” e sua ressignificação poética, afastada de uma noção tradicional de ausência. Optamos pelos poemas mais significativos, cuja leitura é de grande importância no desenvolvimento da argumentação. A imagem poética da palavra “silêncio” em certos poemas é acompanhada da imagem do espelho e da ideia da representação. Nesse sentido, realizaremos uma breve reflexão sobre a relação entre a criação poética e a apreensão do objeto representado. Como apoio teórico, utilizaremos fragmentos do texto “Do horizonte da paisagem ao horizonte dos poetas” de Michel Collot, da obra Teoria da Literatura de Victor Manuel e do livro O arco e a lira de Octavio Paz. Expostos os poemas escolhidos e as questões inerentes a cada um, faremos uma comparação com a arte poética “Casos” de Ruy Duarte de Carvalho, o que torna possível repensar a palavra “silêncio” como presença e potência.
Julia Pinheiro Gomes (UFRJ/ CNPq)
Na pastelaria, com o Minotauro: Cesariny, Sena e o Surrealismo português
De acordo com Jorge Fernandes da Silveira (2003), é a atenção ao real que marca a obra dos autores que escapam do neorrealismo entre a primeira e a segunda metade do século XX em Portugal. É este o caso de Jorge de Sena e Mário Cesariny, escritores contemporâneos entre si, porém inimigos declarados. Neste trabalho, procuraremos apresentar, portanto, alguns dos embates literários desses poetas canônicos das letras portuguesas. Daremos destaque a um dos pontos que nos parece mais importantes quanto à divergência entre eles: o movimento surrealista. Se para Sena seu livro de estreia (Perseguição, 1942) seria o primeiro de características declaradamente surrealistas no país, na visão de Cesariny, por outro lado, o seu grupo seria o responsável pela fundação do Surrealismo em Portugal, no ano de 1947. Como forma de evidenciar os dois lados deste conflito, lançaremos mão, sobretudo, dos textos ensaísticos de ambos, pois acreditamos que é neles em que os poeta-críticos em questão mais se deixam revelar.
Karoline da Rosa Pereira (UFRS)
Sophia Andresen e Jorge de Sena: um estudo interartístico entre poesia e música
O trabalho visa ao estudo da presença da música contrapontística alemã nos poemas de Sophia de Mello Breyner Andresen e de Jorge de Sena. A pesquisa tem como corpus o poema Bach Segovia Guitarra, retirado do livro Geografia (1967), de Sophia Andresen, e o poema “Prelúdios e Fugas de J.S. Bach, para Órgão - III”, extraído do livro Arte de música (1968), de Jorge de Sena. O objetivo é analisar os diálogos intertextuais entre a música de Johann Sebastian Bach e os poemas de Sophia Andresen e de Jorge de Sena, com intuito de estabelecer um estudo interartístico.
Klleber Moreira de Mendonça Júnior (UEG)
A poética da casa em Sophia de Mello Breyner Andresen: uma leitura dos “cantos” da intimidade lírica em Obra Poética I, II e III
O caminho para o real na poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen está no âmago da experiência criadora no interior de seus poemas. Nesse sentido, desde Aristóteles, na égide de sua mímesis (Poética, 1996), perpassando pelos modernos, de Baudelaire a Malarmé, com o conceito de despersonalização (FRIEDERICH, 1991), a busca por um espaço da manifestação do real tece-se dentro da “imensidão cósmica” do interior do sujeito que vive o poético de fato (BACHELARD, 1993). Para autora estudada, a poesia nasce da incessante busca pela presença do real em sua essência bruta na existência do ser. Por esse viés, o fenômeno poético é enxergado como uma força inquietante e reveladora do lugar do ser no mundo, através de diferentes espaços por onde ele passa ou habita. A casa, nesse aspecto, é um desses lugares perscrutados pelo ser, onde o real forja seu caráter verossímil nos cantos da intimidade da habitação. Assim, o objetivo deste trabalho é refletir sobre a presença e apresentação dos espaços da casa e seus lugares de intimidade nos livros de poemas Obra Poética I, II e III da autora supracitada. Gaston Bachelard (2008), Davi Arrigucci Jr. (1999), Bollnow (2008), Mircea Eliade (2001), Poulet (1992), entre outros autores, serão usados a fim de contribuir com a leitura e análise dos poemas da autora.
Leonardo de Barros Sasaki (USP)
Redobrar a atenção: Sophia, a visionária do visível
A poeta italiana Cristina Campo sentenciou: “a poesia é também uma atenção”. Tal afirmação tem especial aplicabilidade na obra de Sophia Breyner de Mello Andresen, para quem “fazer versos é estar atento”. A atenção, assim, é condição do ato criativo seja na forma aguda de percepção do poeta, seja, em alguma medida, em sua estratégia de presentificação – naquilo que permite a Hans Gumbrecht, precisamente sobre os modos de atenção, aproximar a poesia dos encantamentos arcaicos, do gesto ritual contido em Safo ou Píndaro, por exemplo. Abordar a categoria da atenção permite-nos ainda localizar Sophia em um contexto histórico específico já que, como aponta Jonathan Crary, a partir da década de 50, há um interesse crescente, em diversos campos do saber, sobre o tema. A partir daí, pode-se falar, por exemplo, em “economia da atenção” e em sua capitalização/comoditização na sociedade. Ao refletirmos sobre os sentidos de que a atenção se reveste na obra de Sophia, podemos colocá-la em perspectiva, em um momento que críticos como Andrew Epstein empreendem – dentro da tradição norte-americana, mas com paralelos profícuos com a portuguesa – leituras da poesia contemporânea através do binômio atenção/cotidiano.
Leonel Isac Maduro Velloso (UFF)
Uma poética “anti-Mónica”: Sophia de Mello Breyner Andresen e a representação do feminino.
Esta comunicação tem por objetivo analisar o conto o “Retrato de Mónica” − Contos exemplares −, de Sophia de Breyner Andresen, na tentativa de depreender uma poética que chamaremos de “anti-Mónica”. Vale lembrar que em o “Retrato de Mónica”, a personagem que dá nome ao título está intimamente ligada ao que a autora chama de o “Príncipe deste Mundo” – um possível pseudônimo para o ditador fascista António Salazar. Pois Mónica, de acordo com o narrador, “é o seu maior apoio, o mais firme fundamento do seu poder” (ANDRESEN, 2015). Neste sentido, como na obra de Sophia há um continuum entre as dimensões da ética/estética e da justeza/justiça, ou seja, a escritora não se nega a dar “testemunho”, à maneira de Jorge de Sena, do seu tempo, Mónica, como representação do feminino dentro da produção andreseniana é a negação de todos os valores que essa visa a transmitir. Afinal, para Sophia, “Creio profundamente que toda a arte é didáctica, creio que só a arte é didáctica” (ANDRESEN, 1980). Contudo, conforme mostraremos, se essa obra se organiza sobre a negação desse tipo de representação do feminino, uma outra questão surge: qual – ou quais – seria(m) a(s) representante(s) feminina(s) mais coerente(s) dentro desse universo e que faria contraponto à personagem Mónica. Por esta via, será necessário também analisar os poemas Catarina Eufémia e Maria Natália Teotónio Ferreira, figuras femininas que, de maneira ética, como Antígona, recusaram o papel de “fêmea” e lutaram em nome da liberdade e, por isso, transpuseram a “destruição” e, transcendendo a própria imanência humana, ergueram no vento os seus risos – parafraseando um verso de Sophia.
Licia Rebelo de Oliveira Matos (UFRJ)
Saramago lê Sophia
Nas “Artes poéticas”, Sophia de Mello Breyner Andresen declara ser sua obra uma tentativa de religação do homem com o mundo, tendo em vista a ruptura entre essas duas formas de vida, e seu consequente distanciamento. Colocando-se no lugar de herdeira da modernidade, que nos afastou dos valores ancestrais, do pensamento alinhado ao tempo natural e rompeu o contato, o tato, entre ser humano e natureza, a poeta exprime sua incansável busca pela palavra pura que possa reatar essa ligação em quem escreve e em quem lê. Sophia abre, portanto, uma via teórica sobre um dos papéis da poesia, permitindo que outros textos sejam lidos a essa luz. Em nossa análise, propomos mostrar que, por exemplo, no romance Memorial do convento, de José Saramago, a oposição fundamental entre os personagens eleitos pelo narrador – Baltasar e Blimunda, especialmente – e os eleitos pela história – a família real portuguesa – se dá com base nessa aliança/ruptura entre homem e “reino”, de que fala Sophia. A narrativa evolui evidenciando onde residem a verdade e a ficção: enquanto o casal protagonista conquista a experimentação da terra, dos ares e do sonho, à realeza resta seguir e perpetuar, geração a geração, os protocolos de um mundo inventado.
Lucas Laurentino de Oliveira (UFRJ)
Um Jogo Demoníaco
Da multifacetada obra de Jorge de Sena, costuma-se destacar o seu caráter testemunhal, cujo aspecto político-poético atravessa as suas diversas produções, e o seu caráter de diálogo inter-artes, principalmente por conta das obras Metamorfoses e Arte de Música, evidentes articulações entre a poesia e as artes visuais e musicais. No entanto, em paralelo a estes dois grandes eixos da sua obra, que diríamos os "mais sérios", Sena afirmou por mais de uma vez o projeto de experimentação ao qual submeteu praticamente toda a sua produção, ressaltando a seriedade com que tratava este termo, procurando desvencilhá-lo do sentido de "frivolidade" e "brincadeira". Assim, temos poemas tais como os sonetos a Afrodite Anadiómena e o livro Sequências, entre outros. Textos irônicos, mordazes, inesperados e sedutores, esses jogos com a linguagem mostram a que ponto Sena se dedicava à experimentação e à inovação. E é pela perspectiva do jogo que pretendo apresentar um dos seus poemas, "Homenagem a Sinistrari (1622-1701), autor de 'De Daemonialitate'" (Exorcismos) procurando explorar os enigmas que são postos em cada verso como que estimulando o leitor a pesquisar, a decifrar essa linguagem mágica e poética, excitado pelos desafios que são postos à interpretação e à leitura.
Luci Ruas (UFRJ)
A experiência do sensível, do belo e do justo em contos para a infância, de Sophia de Mello Breyner Andresen
Na obra de Sophia dialogam sempre o ético e o estético. Segundo Helena Buescu, há forte presença do humano frente aos outros homens e com ele as coisas e a história com a qual convive no mundo. Os valores da cultura clássica, bem como os da tradição oral, a que se somam episódios da vida cotidiana, que aprende, na infância, com a mãe e um dos avós, serão os alicerces sobre os quais se vai erguer a sua obra poética, “indissoluvelmente ligados a experiências do sens&iacu te;vel e do visível”. O mundo da infância é, sem dúvida, indissociável de alguns elementos constantes da sua poesia. A casa, o mar, a história e a tradição são de suma importância para este trabalho em que se pretende problematizar o sensível e o visível, o ético e o estético em contos escritos para a infância. A Menina do Mar, o primeiro conto infantil publicado por Sophia de Mello Breyner; A Fada Oriana, um de seus contos para a infância mais conhecidos; O Cavaleiro da Dinamarca, sobre um cavaleiro que parte como peregrino para a Palestina e intenta voltar a casa para celebrar o Natal com a família; e O Rapaz de Bronze, passado num jardim onde uma estátua ganha vida durante a noite e reina sobre todas as plantas. São essas as narrativas com as quais pretendo dialogar.
Luciana Morais da Silva (UERJ)
Figuração prodigiosa em Jorge de Sena
O presente estudo tem por objeto o conto (ou a novela) O Físico prodigioso, de Jorge de Sena. A narrativa recupera elementos mágicos, míticos de ontem e hoje, marcados pela transmutação do tempo, do espaço e da ação na vida de uma personagem bastante singular e desafiadora. O percurso pela construção dessa personagem – figuração – se dará por meio dos Estudos Narrativos, tensionando reflexões sobre a categoria personagem e os procedimentos que interferem (ou interagem) em figuração na narrativa. Pretende-se, portanto, a partir dessas reflexões, observar os modelos de construção de mundos e submundos possíveis ficcionais com o intuito de desvendar as macro-arquiteturas propostas pelo autor para contar as histórias de seu Físico prodigioso.
Luciana Salles (UFRJ)
Dos olhos de Artemidoro reflexo e reflexão em Jorge de Sena
A partir do diálogo entre o poeta e o jovem Artemidoro das Metamorfoses, propomos uma leitura da construção da poética seniana como atividade reflexiva de jogo entre olhar e ser olhado, ver e ser visto.
Luís Filipe Castro Mendes (MNE-Lisboa)
Sena e Sophia: Escrever no princípio do mundo
Esta intervenção se desenvolverá a partir de sua epígrafe: um verso de Sena que Sophia cita num belo texto de homenagem a Sena de 1976: "e só eu sei porque principiei a escrever no princípio do mundo" (cf Correspondência Sophia Sena, página 152)
Luis Maffei (UFF/ CNPq)
Golden shower segundo Jorge de Sena: “diálogos místicos” e “filmes pornográficos” para o Brasil de hoje
Em outubro de 1972, Jorge de Sena escreveu um de seus poemas mais magníficos em termos de estrutura e encadeamento contraditório: “Filmes pornográficos”. Naqueles versos, o espanto do poeta já experiente se deve à precisa existência desse gênero cinematográfico e por uma enorme confusão, testemunhada pelo poeta do testemunho, entre trabalho, uso dos corpos e um resto de amor. Páginas antes, na edição de “Conheço o sal e outros poemas” dentro de Poesia-III(Edições 70), estão versos também altamente eróticos, escritos no mesmo ano, em agosto: o poema “Diálogo místico” encena uma conversa entre S. João da Cruz e Santa Teresa. A mística seniana é puro desejo, motor da mão e do coração que escreveram “Filmes pornográficos”, motor do instinto religioso que engendra o diálogo entre o poeta e a poetisa que alcançaram o cânone. Num país, o Brasil de agora, que é obscurantismo antierótico (inclusive pela obsessão genital de seu perverso líder máximo) e fundamentalista, como ler esses poemas de Jorge de Sena? Como entendê-los como gestos de libertação política?
Marcelo Franz (UTFPR - Universidade Tecnológica Federal do Paraná)
No meio do caminho tinha um exílio: os sentidos do deslocamento em Carlos Drummond de Andrade e em Jorge de Sena
Este estudo analisa os significados das metáforas do caminho e do caminhar na poesia de Carlos Drummond de Andrade em cotejo com a abordagem do exílio e do não-lugar do sujeito em poemas de Jorge de Sena. As obras destes autores retratam e refletem a sua época de forma complexa, evidenciando a instabilidade psicológica, social e cultural do homem do século XX. Segundo Sena, “A expressão poética, com todos os seus ingredientes, recursos, apelos aos sentidos, resulta de um compromisso: um compromisso firmado entre um ser humano e o seu tempo”. As temáticas que nos propomos a analisar em Drummond e Sena mostram, para além da sintonia entre ambos, a experiência do testemunho lírico e humano na forma de uma imersão do escritor em sua época. Analisaremos, a partir disso, as contradições, aceitas e assumidas pelos poetas, do conceito polissêmico e indefinido de “moderno” e as ponderações possíveis em face do modo como o deslocamento e se enuncia no que eles escreveram e o que isso diz sobre o mundo, o tempo (e a poesia) em que viveram.
Marcelo Pacheco Soares (Inst. Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro)
O Natal, a Alquimia, o Tempo, e o Espírito
“[...] eu mesmo não saberia dar a chave do mistério, se o é.” Assim é que, em nota, Jorge de Sena refere-se ao seu conto “O Urso, a Pantufa, o Quadro, e o Coronel”, texto escrito em 1961 e publicado em 1966 na coletânea Novas Andanças do Demónio, o qual apenas na sua mais superficial aparência emularia uma tradicional história de fantasmas como as da literatura fantástica oitocentista e em cuja diegese são imprecisas as fronteiras entre sonho e vigília. Se Sena, ainda que por pura retórica, alega desconhecer e, mais além, sugere a possibilidade de que tais chaves interpretativas não existirem, será talvez com alguma subversão que nossa leitura buscará algumas delas (e talvez a função do leitor seja mesmo essa: a de, insubordinadamente, causar perturbação ao texto). Desse modo, inspirados no título quaternário da obra, sugerimos quatro campos temáticos em que poderiam circular os sentidos de seu hermético enredo; seriam elas: as melancólicas e críticas produções natalinas de Jorge de Sena, os estudos psicanalíticos de Carl Jung sobre Zósimos (alquimista egípcio cujas palavras servem de epígrafe ao conto), a ideologia trazida por António Ferro ao Estado Novo salazarista, e a constatação de uma distensão do tempo nessa narrativa.
Marcos Vinícius Ferreira de Oliveira (UFJF)
Realismos e violência nos contos de Jorge de Sena
O objeto do presente estudo é a narrativa curta de Jorge de Sena (1919-1978), mais especificamente os contos de Andanças do Demónio (1960). Embora constituam faceta menos conhecida da sua prolífica e prodigiosa obra, os contos do autor têm o poder de iluminar as linhas do tecido áspero de violência, de degradação e de sofrimento impostos aos homens de livre pensamento, de ação e expressão pelas engrenagens repressivas dos sistemas totalitários. Às voltas com as limitações expressivas impostas pelos mecanismos da censura, tanto no Portugal de Salazar quanto no Brasil pós-Golpe Civil-Militar de 1964, Jorge de Sena recorre a um deslocamento da realidade, cujos desdobramentos em realismos “fantástico, imaginoso, fenomenológico ou mesmo surrealista” buscam romper o silêncio imposto e desmascarar as aparências de integridade do cenário político-social de seu tempo. A proposta deste trabalho é a de promover uma leitura contos de Andanças do Demónio, cujo olhar concentre-se no tema da violência e na configuração das estratégias dos “realismos” que Jorge de Sena mobilizou para acentuar sua presença na realidade dos homens massacrados pelo alcance dos regimes de exceção.
Margarida Braga Neves (Univ. de Lisboa)
Casa e casas na ficção breve de Jorge de Sena
Pretende-se com esta comunicação abordar o modo como as casas são tratadas na ficção breve de Jorge de Sena, e em especial no volume de contos Antigas e Novas Andanças do Demónio (1978), com eventuais reenvios a outras obras poéticas e ficcionais do autor.
Maria Célia Martirani Bernardi Fantin (UFPR)
O grande mar e seus abismos: Sophia de Mello Breyner Andresen e Alessandro Baricco - duas poéticas em diálogo
As representações do mar surgem na poética de Sophia de Mello Breyer Andresen como recorrente leitmotiv, não apenas enquanto exaltação de um espaço sagrado ou êxtase diante do absoluto, mas também como visão do “Grande abismo”, lugar de mistérios insondáveis, massa líquida sem pontos de referência, imagem do infinito, do incompreensível”. Daí por que querer “penetrar os mistérios do oceano é resvalar no sacrilégio, assim como querer abarcar a insondável natureza divina”. (CORBIN, 1989) O mar é também o grande protagonista do romance Oceano mar (1997) do escritor italiano contemporâneo Alessandro Baricco que, por meio de uma prosa eminentemente poética, investe na criação de personagens erráticos e “desajustados” que precisam ir ao mar para curar suas feridas existenciais. Mas enquanto há os que apenas vivem diante do mar, contemplando o que ele tem de sublime, há os que se lançam ao seu ventre, na vertiginosa viagem de encontro com o próprio ser, numa perspectiva que invoca o “Dasein” heideggeriano (2002). Em viés comparatista, o presente estudo visa estabelecer um diálogo entre as poéticas desses dois autores, especialmente quando tratam do mar como espelho-revelação do sujeito em seu estar no mundo.
Maria da Conceição Oliveira Guimarães (Pesquisador independente)
Sophia de M. B. Andresen: olhar e palavra poética como revelação de uma mitologia pessoal
O propósito desta comunicação é demonstrar a existência de uma mitologia pessoal na poesia sophiana. Para tanto, buscou-se na recepção poética da cultura clássica grega empreendida por Sophia dados reveladores para a confirmação deste propósito, uma vez que sua arte poética, ora revela um olhar devotado à exuberante geografia grega, bem como à sua arquitetura, inspirada nos estilos jônicos, dóricos e coríntios; ora reflete o passado mítico e seus deuses tutelares e, além disso, reverencia o lógos como tratado ético. Observa-se que Sophia olha ao seu redor para extrair o invisível do visível, ou mesmo para refundar ou refinar poeticamente o já descoberto. Trata-se, portanto, de uma visão restabelecedora do passado e depuradora do presente. Sophia igualmente não descura da consagração à palavra articulada porque entende que a palavra foi o elemento sagrado da exemplaridade desde tempos imemoráveis. Segundo depreende-se de seu poema, “A palavra”, no qual referencia Heráclito de Epheso e os povos malinkés, que o lógos será inevitavelmente o compromisso ético selado entre aquele que o profere e aquele que o aceita. É nesse sentido que o olhar e a palavra poética sophiana corporificam os elementos fundadores de sua mitologia pessoal.
Maria Elizabeth Graça de Vasconcellos (UFRJ)
Prosa poética para a infância de Sophia de Mello Breyner Andresen
Tempo e memória: Sophia de Mello Breyner Andresen e o encontro com o maravilhoso. A busca do tempo mágico como recusa da morte e do esquecimento. A árvore e O espelho ou o retrato vivo, narrativas inspiradas por dois contos tradicionais japoneses.
Maria José Cardoso Lemos - Masé Lemos (UNIRIO)
Traçar um círculo, decalcar o nome nas coisas
A partir do livro O nome das coisas (1977) de Sophia de Mello Breyner Andresen, iremos refletir sobre uma concepção de linguagem poética entendida como "perseguição do real", ou como ato de nomeação do mundo que entretanto é sempre estranho a si. Como exilada do mundo e da linguagem – e a partir dessa dupla negatividade – sua poesia articula um impulso para o fora: tanto aquele de uma esfera radical e inapreensível, quanto para o material, das coisas tangíveis, que marcam o corpo feminino de sua escrita. Assim, rumo ao real, sua poesia afirma a capacidade e disposição da linguagem poética para diálogos com o contexto político e literário português, com uma tradição literária atemporal e estrangeira, abrindo-se também às questões do nosso extremo contemporâneo.
Maria Lúcia Barbosa (Grupo de Pesquisa Letras de Minas/UFMG)
Ativismo e construção literária: Uma abordagem do conto "O jantar do Bispo" de Sophia de Mello Breyner Andresen
Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004), natural do Porto, Portugal; foi escritora, ensaísta, tradutora e poetisa. Umas das mais importantes vozes da literatura contemporânea portuguesa, a autora, valendo-se de uma singular sagacidade, elaborou, a partir do seu espírito humanista envolvente, uma coletânea de narrativas que resultou no livro Contos exemplares, publicado em 1962, pela Livraria Morais Editora de Lisboa. Narrado em terceira pessoa e em três partes, "O jantar do Bispo" é a primeira das sete histórias na qual se observa uma escrita centrada nos conflitos sociais e políticos de sua época, apresentado reflexões sobre as relações de poder e suas consequências, onde é possível observar um estilo comprometido, característico da poética da escritora, explícita desde essa dedicatória inscrita na obra: "Para Francisco, que me ensinou a coragem e a alegria do combate desigual". É nesse sentido que, para este trabalho escolhemos o respectivo conto com o objetivo de analisarmos, ainda que de forma breve, o discurso ativista na tessitura ficcional de Sophia, como meio para questionar o uso abusivo do poder e as injustiças e desigualdades sociais do seu tempo.
Maria Otília Pereira Lage (CITCEM /Univ. do Porto)
Discurso Epistolar entre Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner
Analisa-se a Correspondência - Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena 1959/1978 no âmbito dos estudos epistolares, com vista a divulgar os autores e contribuir para a investigação epistolográfica luso-brasileira. A carta, “escrita de si” para “o outro”, é documento expressivo da vida-obra destes escritores (processos de criação literária, redes sociais e intelectuais, exercício de crítica e receção literária, ou expressão autobiográfica) e de denso contexto histórico (anos 1960-70), aquém e além Atlântico. Esta correspondência édita é valiosa fonte para o conhecimento das suas conceções estéticas e criativas e para o confronto de personalidades e estilos que marcaram a literatura da época e influenciam a produção cultural contemporânea. Traços diferenciais – ao nível da criação literária e empenho da vivência cultural, cívica e política dos poetas e democratas na oposição a ditaduras – ecoam nas suas cartas em recíproco estímulo e amizade constante. Lição estética e ética, nobre e dignificante legado.
Maria Silva Prado Lessa (UFRJ)
Sophia e a Musa
“Arte poética II” de Sophia de Mello Breyner, como os demais textos da sequência homônima, apresenta uma teoria e uma interpretação da poesia que revelam sobretudo uma visão de mundo. Tratando a poesia não apenas como objeto sobre o qual tece suas considerações, Sophia a transforma em um sujeito de exigências e pedidos dirigidos a si, afirmando que “é da obstinação sem tréguas que a poesia exige que nasce o ‘obstinado rigor’ do poema”. Entre as demandas, sobressai o pedido de que esteja voltada para o “universo” e, em formulação que se torna uma espécie de mote de sua produção, que “viva atenta como uma antena”. A ideia de que o poeta deve estar atento perpassará, assim, sua obra poética. A escuta emerge não apenas como uma “vibração com o exterior”, mas como algo que se dá antes por um ímpeto ou desejo de escutar. Como condição fundamental para a escrita, tal desejo tomará forma, em alguns poemas, em termos de um pedido, de uma prece, ou, mais especificamente, de uma invocação a uma Musa. Apresenta-se, assim, um momento anterior à escuta e emerge, no rol das três ações andresenianas – escutar, nomear e fazer paisagens, como aponta Silvina Rodrigues Lopes –, uma quarta: invocar – isto é, pedir para escutar.
Mariana Cristina Pinto Marino (UFPR)
Ética na estética andreseniana: interlocuções ecocríticas em poemas de Sophia de M. B. Andresen
Na quarta década do século XX, Poesia (1944) é publicado com a presença de “temas que percorreriam a obra inteira de Sophia [de Mello Breyner Andresen] como grandes marcos: o mar, o jardim, as mãos, a noite, a luz, a mitologia grega” (FERRAZ, 2018). A recorrência de alguns elementos naturais, que se tornariam símbolos da poética da autora, reitera, ao que parece, uma necessidade de ressignificar relações pré-estabelecidas (e distanciadas) entre o ser humano e a natureza. A partir dessas considerações, faz-se possível alinhar o trabalho da autora às preocupações da ecocrítica que, “confessadamente política” (GARRARD, 2006), assume um caráter ético ao propor, entre outros motes, o repensar da relação homem versus natureza, que faz repercutir diversas formas de violência por considerar única e exclusivamente o ser humano como detentor de necessidades no mundo (CULLER, 2016). É a partir dessa aproximação entre a obra da autora e a abordagem literária citada que alguns poemas de Andresen serão analisados (temática e formalmente), a fim de corroborar essa possibilidade de leitura: são eles “Cidade” (de Poesia), “Um dia”, “Quando”(ambos de Dia do mar), “A raiz da paisagem foi cortada” (de Coral) e “A forma justa” (de O nome das coisas).
Mariane Tavares (UNICAMP)
Sophia e Sena: a resistência como um elo entre cartas e poemas
Entre os anos de 1926 a 1974, Portugal esteve sobre o comando da ditadura. No decorrer deste período, houve muitas mudanças no que diz respeito à cultura e à ideologia da época. A sociedade, influenciada pela política nacionalista, vivia sob um mecanismo que tentava convencê-la de que a alma lusitana era exemplar, criando uma ficção oficial. Neste contexto, Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena viveram, junto com os demais poetas de sua geração, afirmando-se contra o regime de um país que estava cego sob a égide da ditadura. Sophia em presença e Sena à distância, devido ao exílio, mas a relação de ambos se manteve sólida, tanto pela poesia como pela correspondência. A poesia da primeira almeja a plenitude da presença, na perseguição do real. Buscando estabelecer uma relação entre o homem e o tempo atribuindo a um, um severo realismo e a outro uma sátira que dá à sua obra um tom irônico, no que diz respeito ao momento vivido. Assim, também, o segundo cria um processo testemunhal para sua poesia. Nosso objetivo é apresentar como, através dos poemas e das cartas, ambos pensam o processo de criação literária e a política portuguesa
Marlon Augusto Barbosa (UFRJ)
O brilho de Sophia: sobre a ética da poesia
Em sua “Arte Poética III”, Sophia de Mello Breyner Andresen recupera uma das falas de Antígona para estabelecer um paralelo com a poesia do seu tempo: “Eu sou aquela que não aprendeu a ceder aos desastres” (ANDRESEN, 2018). Aqui, caberia nos perguntarmos quais as implicações que poderiam nascer dessa citação. Jacques Lacan em um texto intitulado “O brilho de Antígona”, que está inserido do seminário sobre a ética da psicanálise, escreve: “Quem não é capaz de evocar Antígona em todo conflito que nos dilacera em nossa relação com uma lei que se apresenta em nome de uma comunidade como uma lei justa?” (LACAN, 2008). O objetivo dessa apresentação vai ser justamente pensar como a fala e como a imagem de Antígona nos ajudam a erguer alguns questionamentos sobre a própria poética de Sophia de Mello Breyner Andresen. Partindo das considerações de Jacques Lacan, tendo em vista que a questão da justiça e da moral atravessa o seu texto, pretende-se estabelecer uma leitura cerrada da Arte Poética I e III mostrando que Sophia, ao construir a sua própria arte poética, estabelece uma abertura da Poética aristotélica ao evocar não apenas a justiça do poema como também a moral do poema e o desejo do poema.
Matheus de Castro Ramos Fialho (UFF)
Imbricações da autopoética do testemunho no labor tradutório e editorial de Jorge de Sena
Podemos ver na ação poética de Jorge de Sena, marcadamente inserta em seu próprio tempo e fortemente preocupada “com a existência humana num mundo degradado, marcado intensa e continuamente por formas diversas de violência, de opressão e de silenciamento” (ALVES, Ler e Reler JS, n.81,[online]), a confirmação do que disse Octavio Paz, “[o] poeta consagra sempre uma experiência histórica, que pode ser pessoal, social ou ambas as coisas ao mesmo tempo” (op. cit.). Contudo, e conforme a ideia dos “vasos comunicantes”, proposta por Jorge Fazenda Lourenço (2002), podemos vislumbrar essa dinâmica combativa e atuante – partícipe da plenitude integral do sujeito pensante – também no labor editorial, tradutório e crítico seniano. Queremos ver aqui mais uma manifestação da poética do testemunho (teorizada pelo próprio Sena), orientada na direção de uma “reordenação conceitual da vida” (LUCÁKS 2008) contra o esquecimento, apagamento e desaparição da heterogeneidade – contra a massificação e a brutalização. Também vemos no labor intelectual de Sena uma manifestação da Teimosia – teorizada por Barthes – “que se encontra na encruzilhada [...] ao revés e contra tudo a força de uma deriva e de uma espera” (2007).
Matthews Carvalho Rocha Cirne (UFRJ)
A morte e a eternidade na poesia de Jorge de Sena
Este trabalho tem como objetivo explorar os aspectos da morte e da eternidade na poesia de Jorge de Sena, além do aspecto temporal presente em seus versos. O poema “A morte, o espaço, a eternidade”, publicado em 1961 e dedicado a José Blanc de Portugal, será o principal foco de leitura, e alguns poemas dos livros Fidelidade (1958) e Post-Scriptum II (1985). O interesse em tais aspectos decorre das possíveis aproximações com as elegias de Rainer Maria Rilke, relidos no século XX na poesia portuguesa. Para fundamentar as reflexões em torno da temática abordada, serão apresentados alguns apontamentos de O espaço literário, de Maurice Blanchot e da tese intitulada A elegia portuguesa nos séculos XX e XXI: perda, luto e desengano, de Rui Lage.
Mônica Muniz de Souza Simas (USP)
O surrealismo será o que a nossa atitude ditar
Esta comunicação pretende fazer uma revisão do posicionamento crítico-teórico de Jorge de Sena acerca do surrealismo, partindo do texto publicado na Seara Nova, “A propósito de uma exposição e de algumas publicações conexas”, em 1949, ano de intensas intervenções artísticas públicas em Lisboa. O que se quer é destacar alguns pontos importantes que a crítica seniana apresenta, em diálogo com a resposta de António Maria de Lisboa, evidenciando como ele sublinha o percurso dos vários artistas envolvidos no Grupo Surrealista de Lisboa, em especial o de António Pedro, dentro de uma apreciação mais alargada do estado da arte desde os anos precedentes. Com isso, espera-se contribuir para revisão crítica sobre o surrealismo mas também sobre a arte, em geral, nos anos de 1930 e 1940.
Patrícia Chanely Silva Ricarte (UFMG)
“Ante um caderno, tentei dizer tudo isso”: a (re)escritura poética da música em Jorge de Sena e Luís Quintais
Arte de música, livro de poemas publicado por Jorge Sena em 1968, e Depois da música, coletânea poética lançada por Luís Quintais em 2013, merecem um cotejo aproximativo pelo fato de ambos nos incitarem à reflexão em torno do profícuo diálogo estabelecido na modernidade entre a poesia e a arte musical. Desenvolverei, nesta comunicação, alguns apontamentos acerca do processo de (re)escritura da obra musical, desempenhado pelos dois poetas a partir da experiência de audição, que, tanto em um quanto em outro, é concebida em seu caráter eminentemente estético, reflexivo e criativo, destacando-se, nesse contexto, os aspectos da historicidade e da crise da poesia em nossa época.
Paulo Ricardo Braz de Sousa (UFPe)
No tempo dividido, uma poética da religação
A tradição crítica em torno da obra de Sophia de Mello Breyner Andresen reconhece na memória clássica, sobretudo a grega, um lugar privilegiado para o estabelecimento de discussões de caráter ético e estético. Com efeito, a poesia andreseniana vai colher neste imaginário elementos que acabam por compor como que um quadro geral do seu estilo, evidente tanto no culto da beleza e do equilíbrio quanto na defesa da justiça e da liberdade (muito afim a certa convicção democrática fundada pela organização da polis grega). Não obstante a clareza com que se apontam tais características como basilares da poética de Sophia, é possível detectar alguns aspectos temáticos que remontam à tradição bíblica judaico-cristã. Neste sentido, a autora de No tempo dividido faz dialogar dois universos simbólicos, o que propicia a realização de uma cosmologia própria. Deus, o barro, o peixe, a criação são topoi bíblicos que se revitalizam quando em contato com a esfera pagã inscrita nesta poesia. Esta comunicação enseja justamente rastrear os pontos críticos desta intersecção, de maneira a discutir a ideia de religação em alguns poemas de Sophia.
Rafaela Cardeal (Univ. do Minho)
“No gume do poema”: Sophia e João Cabral
Em 1961, Sophia de Mello Breyner Andresen publica O Cristo cigano, uma sequência de poemas escritos a partir das conversas que teve com João Cabral de Melo Neto no ano de 1958, quando se conheceram em Sevilha. Entre a escrita e a edição livro, em 1960, Sophia escreve um artigo, publicado na revista Encontro, sobre a poesia de João Cabral definindo as suas características e a postura do poeta, aquele que “ama verdadeiramente a realidade, busca a realidade em si e rejeita enfeites e ilusões”. Vê-se mais claramente a força desse encontro, posteriormente, na “Dedicatória da segunda edição do Cristo cigano a João Cabral de Melo”, de Ilhas (1989), resultado de uma leitura particular, atenta, que mostra uma maneira de ler o autor de Quaderna. João Cabral, em contrapartida, dedica-lhe um “elogio de usina”, em A educação pela pedra (1966), e inclui em Auto do Frade (1984) o “sol inabitável”, que disse Sophia em Navegações (1983).Pretende-se, com esta comunicação, pormenorizar as ressonâncias desse diálogo, sobretudo ao traçar um percurso biográfico e poético de um certo reconhecimento mútuo e reforço de alguns traços comuns, especialmente significativo em um momento de viragem na poesia de Sophia bem como na recepção de João Cabral em Portugal
Roberto Bezerra de Menezes (UFMG/CESP)
Desenhar a linha dos teus flancos: Sophia e o soneto
O recurso ao soneto em Portugal encontra seu lugar cimeiro com as figuras de Sá de Miranda e Luís de Camões. Herdeiros sobretudo de Petrarca, os dois poetas exerceram intensamente a escrita enformada por essa tradição italiana. Na esteira dessas figuras, encontramos em Bocage, Antero de Quental e Florbela Espanca exemplos de escritores que souberam, cada um a seu modo, desenvolver a técnica sonetista. Mesmo não tendo adotado o soneto de maneira extensa e fiel, Sophia de Mello Breyner Andresen nos legou alguns notáveis sonetos ao longo de sua vasta produção poética: “Em todos os jardins” e “Sinal de ti I”, de Poesia; “Kassandra” e “Catilina”, de Dia do mar; “Soneto à maneira de Camões”, de Coral; “Soneto de Eurydice”, de No tempo dividido; “As três parcas”, “Porque” e “Corpo”, de Mar novo; “Ressurgiremos”, de Livro sexto; “VI Navegavam sem o mapa que faziam”, de Navegações. Nesta investigação, interessa-me, então, visitar questões da poesia de Sophia – sumariamente, o espaço do jardim, o chamado poético atento às coisas do mundo, a antiguidade clássica greco-romana, a tradição literária portuguesa, a ética do ser face ao noturno momento histórico, a passagem do tempo e a presença da morte – a partir dos sonetos supracitados.
Rodrigo Corrêa Martins Machado (UFOP)
Cenas de Guerra na Poesia de Jorge de Sena
No presente trabalho, busco refletir acerca da escrita poética de Jorge de Sena como uma encenação de experiências interiores, como forma de ultrapassar esse mundo pragmático em direção a transformação do mundo a partir de si mesmo. Sendo assim, me detenho nas cenas de guerra representadas na poesia seniana, as quais representam claras violações de interditos: combate com a palavra, com o homem e com o tempo. Para tanto, metodologicamente, parto dos preceitos de Georges Bataille acerca da profanação do sagrado através da ordem do trabalho, bem como da guerra e do erotismo como transgressão a esse mundo do trabalho.
Rui Pedro Bastardo de Oliveira Vau (Univ. do Porto)
A correspondência entre Sena e Sophia e o diálogo com o cinema da poesia de Rita Azevedo Gomes
As cartas trocadas entre Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner formam um diálogo continuado ao longo dos anos, centrando-se sobretudo no período do exílio californiano do autor de O Físico Prodigioso, que estão na origem e servem de motivo estrutural ao filme Correspondências (2016) de Rita Azevedo Gomes. É um documentário que é uma espécie de filme-ensaio, que é muito mais do que o espólio da correspondência entre os dois escritores. É quase um filme-arquivo sobre o relacionamento entre Sena e Sophia, sobre o tempo em que viveram, sobre os ecos do que era Portugal nesse tempo, ou ainda sobre a presença real e efetiva de um e de outro, sobretudo quando os vemos aparecer, em fragmentos colhidos em imagens de arquivo. Contudo, o documentário recusa qualquer cânone do filme epistolar, encenando, pelo contrário, outras correspondências a outros universos, mesmo quando esses outros universos são para ser encontrados no interior da obra da realizadora: um dos seus filmes, Frágil Como o Mundo (2002), evoca um poema de Sophia que aparece lido aqui. Correspondências é um filme sobre a leitura talvez ainda mais do que sobre a escrita, no qual nenhum dos correspondentes dialoga como personagem, que nos faz voltar à ideia de um "arquivo", neste caso, de vozes. Ficamos a ver e ouvir pessoas que lêem, e essas palavras são elas mesmas um "acontecimento" ao ficarmos suspensos das histórias ditas e contadas por outros, que nos remetem uma vez mais para o universo poético de Sophia. O filme em diálogo com as cartas e poesia de Sena e Sophia possibilita um universo poético, descontínuo, elíptico, que aproxima o fundo lírico de Rita Azevedo Gomes, já presente nos seus filmes anteriores, das imagens poéticas dos dois autores, através de jogos múltiplos de correspondências, como se o "arquivo" fosse também o de um cinema imaginário
Rui Vieira Nery (Fundação Calouste Gulbenkian; Univ. Nova de Lisboa)
O “Pick Up” de Jorge de Sena: Sobre o Suporte Material da Arte de Música
Quando a discografia internacional e as plataformas online permitem acesso ilimitado ao acervo de mil anos de produção musical erudita, é-nos difícil conceber que esta realidade deve-se às últimas décadas. Antes, o contacto directo com as obras representativas da Música ocidental cingia-se ao universo dos concertos. No repertório discográfico, só as obras mais conhecidas do público, de vendas menos arriscadas. Sena explica no posfácio a Arte de Música, que a sua cultura musical, baseada nas aulas de piano na infância e na frequência a concertos na juventude, se alargou significativamente com a compra do gira-discos – um “pick up”, como se dizia – já no Brasil, em 1959, o que lhe permitiu começar uma discoteca pessoal de referência. As escolhas musicais de Sena incidem sobre um repertório que à partida é limitado. Sem prejuízo de podermos ler esse livro como uma reflexão sobre os próprios processos fundamentais da criação e da comunicação em Música, a identificação do universo musical preciso de que Sena parte pode oferecer-nos uma perspectiva complementar que nos ajuda a situá-lo de forma mais reveladora no quadro do debate estético-musical do seu tempo. De que Música – de que músicas – nos fala afinal o poeta na sua Arte? E de que músicas não pode ou não quer falar-nos?
Sabrina Sedlmayer Pinto (UFMG)
Non de trás para frente é Non: a negatividade em Jorge de Sena
O "não" é uma espécie de ritornello na literatura e na cultura portuguesa e se sobressai de maneira particularmente potente na obra de Jorge de Sena. Esta apresentação tem como objetivo refletir acerca da questão da negatividade na obra do autor, demonstrando como a negação possui um papel tensor capaz de ativar o conhecimento pelo exercício dialético criando um lugar específico no qual engendra e irradia a potência das variações em torno do "não". Trata-se, assim, de um núcleo duro na poética seniana que dialoga com outros conhecidos traços da sua produção, tais como a como prática de diálogo entre poetas, a experiência do exílio como força disruptiva e a criação de versos ancorados na esfera do vivido.
Silvana Maria Pessôa de Oliveira (UFMG)
A Grécia de Sophia e de Murilo Mendes
É de Murilo Mendes a frase que soa como um aforismo profético: "Qualquer que seja a forma da sociedade futura, nunca mais escaparemos a estes gregos". Usando-a como mote, pretendo confrontar, em análise comparativa, as linhas de convergência e divergência porventura existentes entre a visão da Grécia posta em circulação por parte considerável da obra de Sophia (notadamente no livro de poesia Geografia (1967) e no ensaio "O nu na Antiguidade Clássica"), com a percepção da paisagem e da cultura gregas expostas por Murilo Mendes na última seção de Poliedro (1965-1966) e em Carta Geográfica (1965-1967).
Silvio Cesar Masquietto (Univ. Estadual de Maringá)
A poética da liberdade nas vozes de Sena e Sophia
Este trabalho tem como propósito um estudo comparado entre a poética de Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen. Poetas consagrados na literatura portuguesa do século XX. Existem diversos fatores que unem esses escritores, os quais merecem destaque em estudos, pesquisas e análises. Porém, no fio condutor traçado nesta pesquisa, propõe-se apontar a poética da liberdade, como importante simbologia que os tornam ainda mais cúmplices, diante dos múltiplos diálogos em suas vozes. A proposta deste estudo tem como objetivo, o estudo comparado entre o poema de Sena “Quem a tem”, em conjunto ao poema de Sophia “Liberdade”. Ao analisar os poemas, percebe-se a essência crítica e a cumplicidade entre as vozes dos dois poetas, entoando por um lado o entusiasmo e a melancolia de Sena, do outro Sophia responde em sua escrita onde se encontra a liberdade, usa a estética da natureza ao descrever um lugar límpido e puro. Espera-se neste sentido, que se possa contribuir para visibilidade da poética dessa parceria marcante na literatura portuguesa, que atualmente ganha um espaço relevante ao serem homenageados em seus centenários.
Silvio Renato Jorge (UFF)
Jorge de Sena, um olhar atento sobre seu tempo
Interessa-nos discutir o olhar político presente na escrita de Jorge de Sena, olhar esse que se volta para problematizar aspectos marcantes da sociedade salazarista. Preocupado em assinalar o caráter testemunhal de seus versos, o poeta português não apenas destaca a irrealidade do imaginário fascista presente em seu país durante o Estado Novo, como também enceta uma discussão que manifestamente pontua, de forma crítica, aspectos como o anti-intelectualismo, o conservadorismo e a idealização do passado, tão presentes no imaginário que o regime buscava difundir. Assim, transitando por seus poemas e pelos textos em prosa que publicou, buscaremos entender Sena como um intelectual que compreende seu papel em um tempo marcado pelo autoritarismo e pela violência, um cidadão que constrói, pelas palavras, o sentido da liberdade.
Simone Maria Martins (Unioeste)
A representação feminina na poesia de Sophia Andresen
O presente trabalho tem como principal objetivo, analisar a representação feminina manifestada na poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen. Diante da escolha metodológica pautada nos estudos comparados dos poemas “O mar dos meus olhos” e “Mulheres à beira-mar”, busca-se averiguar na escrita de Sophia a estética da natureza, qual denota uma intrínseca relação com a forma representativa do universo feminino, tendo como pressuposto a originalidade, ao se destacar entre as mais ilustres escritoras da literatura portuguesa do século XX. Propõe-se observar o eu-lírico evidente em sua escrita, considerando que seus poemas tecem críticas perante um cenário de restrita liberdade, onde a luta pela inserção da mulher na sociedade, era fator fundamental ao movimento de poetas quais faziam da escrita, uma forma de contestação aos acontecimentos históricos. Neste sentido, abordam-se aspectos subjetivos em que Andresen mistura a essência feminina, em sintonia aos elementos da natureza. Considera-se relevante as pesquisas voltadas a essa grande voz, na qual contribuiu significativamente, na literatura portuguesa e agora completa seu centenário literário.
Sofia Glória de Almeida Soares (UFRJ)
A janela, o quadro, o poema: a poesia de Sophia de M. Breyner Andresen em diálogo com a pintura
Este trabalho é desdobramento de uma dissertação em andamento, cujo objetivo é estabelecer um diálogo entre a poesia de Sophia de Mello Breyner Andresen e a pintura. Concebemos que a autora portuguesa emprega em muitos dos seus textos, um procedimento de escrita pictórico. Para desenvolver as reflexões acerca desse diálogo, consideramos como principal arcabouço teórico a concepção albertiana do quadro como janela. Sobre as relações interartísticas, Octavio Paz (2013) afirma: “[...] é mais fácil traduzir os poemas astecas para seus equivalentes arquitetônicos e esculturais que para a língua espanhola. [...] A pintura surrealista está mais próxima da poesia desse movimento que da pintura cubista.” Em diálogo com a citação de Paz, lemos em “Arte Poética III”, que Sophia afirma ter reconhecido os valores da “felicidade nua e inteira, esse esplendor da presença das coisas” presentes em Homero nas obras de Amadeo de Souza-Cardoso, pintor do modernismo português. Em “Arte Poética II”, Sophia utiliza a expressão “quadro sensível do poema” para se referir a seus textos poéticos. Está estabelecida, pois, a relação entre essa poética e a linguagem pictórica.
Sofia Sousa Silva (UFRJ)
Adília e Sophia alguns anos depois
No início dos anos 2000, Adília Lopes já afirmava que entre os seus modelos de escrita estavam Sophia de Mello Breyner Andresen, Ruy Belo e Sylvia Plath. O diálogo com Sophia tem sido uma constante na obra dessa autora ao longo dos anos. Os desdobramentos que tem tido em seus livros mais recentes é o que a comunicação pretenderá investigar.
Susana Maria Loureiro da Silva Matos Antunes (Univ. of Wisconsin - Milwaukee)
Jorge de Sena e Cecília Meireles: o encanto dos contrastes
Num mundo transbordante de caminhos, percursos e itinerários, visíveis e invisíveis, concretos e irreais, o estudo que introduzo assenta na ideia de deslocação como um elemento essencial à vida do Homem. Jorge de Sena (1919-1978) e Cecília Meireles (1902-1964), viajantes, cidadãos do mundo e (in)disciplinadores de almas, ao longo da sua escrita propõem a cristalização de conceitos relacionados com a viagem de turista e de viajante, a viagem de exílio e com o testemunho da viagem. Resultante dos itinerários percorridos através de espaços físicos (Europa, África, Américas e Índia), ambos os poetas nos devolvem imagens históricotransculturais visíveis na sua poesia de viagem. No entanto, é no espaço citadino que se observam duas formas contrastantes e, simultaneamente, irresistíveis de sentir o mundo oferecidas pela circunstância urbana, criadora e orgânica do poema-errância (Archie Randolph Ammons, Roger Gilbert, Francisco Cota Fagundes): seniano - interventivo, denso e grotesco; meireliano - contemplativo, belo e fluído. Para tal, deter-nos-emos na obra de Italo Calvino, "Seis propostas para o próximo milénio" (1998) para aprofundar e contrastar a ideia de poema-errância que conduz ao itinerário sem fim imposto pela viagem da palavra.
Susana Scramim (UFSC)
A tradução de Hamlet: uma teoria do feminino em Sophia de Mello Breyner Andresen
O objetivo desta reflexão é comparar as práticas de uma escrita feminina na obra da poeta Sophia de Mello Breyner Andresen com o trabalho de tradução desenvolvido por ela da obra de Shakespeare, Hamlet, (Breyner em 1987). A partir da análise da tradução, comparada a alguns poemas da poeta, pretende-se desenvolver a afirmação de Giorgio Agamben que o poeta moderno elabora sua subjetividade sem deixar que esta fique marcada por um “lugar” ao qual ela devesse “retornar” em nome de uma originalidade primordial de sua palavra lírica. O sujeito decorrente desse processo está livre para viver esse momento presente no qual ele se encontra com sua incompletude e compreende que é feito de uma angústia analisável. Contemplar a linguagem é o modo de produzir subjetividades não essenciais. A partir dessa análise, propõe-se que o feminino na escrita da poeta pode ser compreendido a partir do argumento de Walter Benjamin, quando lê na indecisão filosófica de Hamlet a manifestação do personagem por excelência da modernidade. O modo de operar da indecidibilidade, orientado pela contemplação de si e da coisa com que passa a nomear o mundo moderno é a singularidade da linguagem de Hamlet, o mesmo ocorre na operação da tradução e na aposta em uma escrita feminina fundada em uma linguagem teatral e trasvestida, ou seja, não substantiva.
Tatiana Pequeno da Silva (UFF)
Sophia, Teresa Horta, Catarina Eufémia e Elizabeth Teixeira: mulheres, justiça e formas de sobrevivência
Na década de 1970, Sophia de Mello Breyner Andresen escreve o poema “Catarina Eufémia”. No mesmo período, Maria Teresa Horta também dedica um poema à memória da trabalhadora rural que foi assassinada pelo Estado português em 1954, no contexto político do salazarismo. Interessa, portanto, para esta apresentação, invocar não apenas esta memória e dedicar uma análise do pioneirismo da escrita de Sophia diante desta personagem tão importante para a problematização de uma reflexão sobre a justiça, como também parece ser conveniente observar como a narrativa de Catarina Eufémia estabelecerá conexões com a representação de Elizabeth Teixeira, uma das protagonistas do documentário Cabra Marcado para Morrer (1984), de Eduardo Coutinho. Com efeito, desejamos, através da presente proposta, articular uma leitura transversal destas manifestações artísticas, considerando a relevância de uma articulação temática que discuta como as lutas políticas operadas por mulheres serão admitidas ou não, inclusive na contemporaneidade (vide o caso de Marielle Franco), através de uma crescente criminalização do feminino e da diferença.
Valci Vieira dos Santos (UNEB)
Representações/percepções do ambiente citadino na obra de Sophia de Mello Breyner Andresen
Este trabalho tem por objetivo demonstrar as diferentes representações e percepções do ambiente citadino na obra literária da escritora portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen. A cidade, ao longo de seus textos – a exemplo de “Há Cidades Acesas”, Poesia, 1944; “Cidade”, em Livro Sexto, 1962; “Fúrias”, Ilhas, 1989; e o conto “O Homem” – , assume aspectos ambíguos e problemáticos. Seus espaços testemunham a trajetória de homens que transitam por entre a geografia urbana, com suas particularidades e singularidades. Assim, a representação da cidade, em Andresen, se destaca ao se constituir na mimesis de um espaço real, cujas paisagens e cenários se multiplicam à medida que o homem neles se integra, com seus conflitos e tensões.
Valéria Cardoso da Silva (UFRJ)
A claridade de Sophia – O mar e as coisas
A linguagem poética de Sophia de Mello Breyner Andresen nos faz meditar acerca da valoração das palavras e de suas reflexões sobre o destino humano no tempo. Nessa travessia, na companhia dos teóricos literários Eduardo Lourenço e Eduardo Prado Coelho, os (as) leitores (as) são convidados (as) a embarcar em leituras que nos apresentam a gênese ética/estética da celebrada poeta.
Vilma Arêas (UNICAMP)
Reverberação de motivos: os Contos Exemplares
Considerações sobre os Contos exemplares de Sophia de Melo Breyner Andresen, cuja primeira edição é de 1962, em suas relações com a poesia e a política.
Viviane Vasconcelos (UERJ)
A “busca atenta” de Sophia de Mello Breyner Andresen e Maria Helena Vieira da Silva
O diálogo entre Maria Helena Vieira da Silva e Sophia de Mello Breyner Andresen está presente na obra da pintora e da poeta, como também na amizade entre as duas, que vivenciaram um tempo político conturbado e decisivamente marcante. Identificamos na poesia de Sophia e na obra de Vieira da Silva referências à violência, à guerra, ao exílio. Além disso, a artista dedicou algumas obras à poeta e Sophia escreveu sobre a pintora, a exemplo do poema “Maria Helena Vieira da Silva ou o itinerário inelutável”, publicado inicialmente em 1971 e incluído no ano seguinte em Dual. Este trabalho pretende refletir acerca de um outro caminho de aproximação. Podemos perceber em algumas passagens das “Artes Poéticas” de Sophia de Mello Breyner Andresen, que foram publicadas em momentos diferentes da obra da poeta, pensamentos que permitem compreender características da arte de Vieira da Silva.
Waleska Antunes (UFPR)
“Aconteceu-me um poema”: Uma Análise das Artes Poéticas de Sophia de Mello Breyner Andersen
Entre os anos de 1962 e 1989, Sophia de Mello Breyner Andresen escreve, em diferentes meios e ocasiões, cinco textos denominados de Artes Poéticas. Tais textos descrevem percursos poéticos sem fazerem disto um exercício de narcisismo (RABELO, 2012); traça uma linha relacional entre seu fazer poético como trabalho artesanal e plástico, almejando uma autonomia e naturalidade provenientes de sua própria existência enquanto leitora e ouvinte literária. Tais textos abrem um horizonte para a reflexão do ato poético sophiano, delineando possíveis pressupostos sobre quais são os tours de force que moveram sua obra poética – sendo algumas possibilidades a busca pela vida concreta e o pulsar imanente do que há na existência – e de que forma as palavras nomeiam a visão de mundo, a sua ligação com as coisas. (ANDRESEN, 1963). Assim sendo, para substanciar tal possível leitura, faz-se caro o cotejamento das Artes Poéticas em análise temática, formal e relacional com outras obras da autora (tais como Coral (1957) e O Búzio de Cós e Outros Poemas (1997))
Yasmim Medeiros Cabral (UFRJ)
Cidade(s): uma viagem pelos espaços na obra poética de Sophia de Mello Breyner Andresen
O trabalho apresenta algumas reflexões acerca do tema "cidade" na obra poética da escritora portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen. Desse modo, partindo de uma abordagem fenomenológica para a análise do nosso corpus e das discussões de Ricardo Cordeiro Gomes acerca das representações e leituras que a cidade pode ter, buscamos estabelecer relações entre as imagens percebidas nos diferentes poemas abordados e a teoria utilizada a fim de demonstrar como é possível traçar diálogos — quer seja dentro da obra, quer seja com os textos teóricos (e, ainda, os textos críticos). A partir disso, então, poderemos observar que a cidade não aparece pura e simplesmente como um espaço hostil (de caos, sujeira, tumulto, barulho e aprisionamento), mas sim de maneira complexa; com um caráter multifacetado, na medida em que se comporta como um prisma, isto é, com diferentes lados a serem lidos, que nos abrem múltiplas perspectivas de leitura, e comportam a harmonia da coexistência entre imagens opostas.
Zina Grangeiro Pinheiro (UFAM)
Cartas entre Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena: alguns temas
Nesta comunicação apresentamos breve estudo sobre alguns temas investigados no livro Sophia de Mello Breyner & Jorge de Sena: correspondência 1958–1974, organizado por Maria Mécia Lopes, que testemunha a amizade entre dois autores da literatura portuguesa, Sophia de Mello Breyner Andresen e Jorge de Sena no período de repressão às liberdades na ditadura de António de Oliveira Salazar. O livro que se constitui em objeto de investigação corresponde a um registro epistolográfico cronológico revelador do dialogismo com a criação literária universal, revelando detalhes que testemunham a intelectualidade desses dois autores. As cartas trazem indícios perturbadores sobre os acontecimentos em torno da censura e da truculência do aparelho repressor PIDE nos breves trechos sobre a ação repressiva e seus efeitos na vida dos poetas, o que não os impediu de realizar significativa produção literária, entre poesia experimental, contos, romances, teatro etc. Apontamos, ainda, a trajetória da poetisa na tentativa de divulgar, por meio de revistas, as obras de escritores de Portugal, Brasil e Europa, bem como o momento político vivenciado por Sena no Brasil, suas expectativas e o modo como produziu suas obras nesse período. Junto a essas questões, verificamos que Sophia e Sena trazem em suas obras individuais a tradução do pensamento clássico numa autonomia estética e ideológica que confere aos dois intelectuais o qualificativo de outsiders em seu tempo. Empregamos, nesta discussão, a ideia de Foucault em “A escrita de si” (1983) e “Representações do intelectual” (1993) de Edward W. Said.
[Esta comunicação integra o resultado parcial do projeto de pesquisa em andamento intitulado “Amizade e questões culturais no livro Sophia de Mello Breyner & Jorge de Sena: correspondência – 1958-1979” no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica da Universidade Federal do Amazonas, no qual Zina Pinheiro é voluntária, e está registrado no Grupo de Estudos e Pesquisas em Literaturas de Língua Portuguesa – GEPELIP, na linha de pesquisa Interfaces Poéticas.]