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          O Real Gabinete Português de Leitura e a Cátedra Jorge de Sena, da Faculdade de Letras/UFRJ, unem esforços para celebrar no Rio de Janeiro, de 2 a 5 de setembro de 2019, o centenário de nascimento de dois extraordinários escritores portugueses do século XX: Jorge de Sena e Sophia de Mello Breyner Andresen. 

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          No ano em que completa 20 anos de existência, a Cátedra Jorge de Sena não poderia encontrar mais ilustre parceiro para a realização do seu VII Congresso Internacional – o Real Gabinete Português de Leitura –, nem melhores efemérides a comemorar: seu vigésimo ano de existência e os mencionados centenários.

 

         Um congresso internacional, de dupla valência, visando a promover a interlocução entre especialistas, de vários países e de vários estados do Brasil, em torno dessas figuras cimeiras da cultura portuguesa.

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          O ano de 2019 será, portanto, um marco nas efemérides da Literatura Portuguesa em todo o mundo lusófono com a comemoração desses dois centenários da maior importância. 

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         SOPHIA DE MELO BREYNER ANDRESEN e JORGE DE SENA, separados coinci-dentemente apenas por alguns dias no nascimento, o que poderia constituir um dado aleatório tornou-se um encontro da mais profunda cumplicidade.

 

          Auto-exilado desde 1959 – primeiramente no Brasil, depois nos Estados Unidos – Jorge de Sena pouco voltou a Portugal antes da “Revolução dos cravos”, e essa ausência de um desejado convívio foi intensamente declarada por Sophia quando, em junho de 1978, a distância que a separava do amigo seria para sempre irremediável. Essa aliança de evidente intimidade se traduz em poesia, naquelas “Cartas” que ela dedicou a Jorge de Sena, em que recorda o seu lugar de emigrante, de exilado, inserindo-o para sempre como imagem de um “português de novecentos” que experimentou na partida a “fúria” de não poder estar em Portugal.

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Não és navegador mas emigrante

Legítimo português de novecentos

Levaste contigo os teus e levaste

Sonhos fúrias trabalhos e saudades

 

          Essa interlocução com o amigo que acabara de morrer (“E agora chega a notícia que morreste / E algo se desloca em nossa vida”) é um eco ao modo como o próprio Sena apontara os caminhos tripartidos da sua rota poética no verso célebre: “De amor, de poesia e de ter pátria”, elementos que se confundem mais do que se somam, porque nele a poesia é sempre gesto de amor e testemunho do tempo denunciado na estreiteza e na violência a que se sentia, e não apenas ele próprio, condenado.

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          Jorge de Sena apostava na vida e na alegria como um direito que não se deveria roubar ao homem. E lembrar suas palavras é talvez o melhor meio de entender a fúria que frequentemente o assaltava contra a injustiça, a perseguição, a tortura.

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[...] Tanto sangue, 
tanta dor, tanta angústia, um dia 
– mesmo que o tédio de um mundo feliz vos persiga – 
não hão-de ser em vão. Confesso que 
muiltas vezes, pensando no horror de tantos séculos 
de opressão e crueldade, hesito por momentos 
e uma amargura me submerge inconsolável. 
Serão ou não em vão? Mas, mesmo que o não sejam, 
quem ressuscita esses milhões, quem restitui 
não só a vida, mas tudo o que lhes foi tirado? 
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes 
aquele instante que não viveram, aquele objecto 
que não fruíram, aquele gesto 
de amor, que fariam «amanhã».
 

 

          Se o tempo do exílio correspondeu para Jorge de Sena a uma quase inacreditável produtividade intelectual, por outro lado, como lembra Sophia, era também um tempo de solidão em que “cartas poemas e notícias” atravessavam lentamente o oceano até que fosse possível ao “irmão prudente” mais que ao “filho pródigo” retornar para os encontros “em redor da mesa” enquanto “tiniam talheres loiças vidros / Como se tudo na chegada se alegrasse” (poema “Carta(s) a Jorge de Sena”).

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           Evocar essa amizade é para nós, professores brasileiros e amantes da poesia, mais que um simples gesto de resgatar dois grandes nomes da Literatura Portuguesa. É o nosso modo de aprender com eles a revisitar o tempo – que também é nosso – construído a duras penas, para garantir uma liberdade sempre ameaçada. Jorge de Sena se fez brasileiro no Brasil, ganhou cidadania, ajudou a construir um pensamento libertário como professor universitário – profissão que lhe permitiu dedicar-se às suas vertentes de poeta, ficcionista, pesquisador e ensaísta que ganharam definitivamente a sua vida.

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          Sophia de Mello Breyner e Jorge de Sena são, assim, mais que dois nomes de grandes poetas que o acaso reuniu em comemoração de centenário no ano de 2019.  As datas são não raro aleatórias. Mas neste caso elas permitem reunir em congresso – etimologicamente o lugar de lutar junto, de dar passos junto – pensadores, pesquisadores, poetas, escritores, ensaístas e estudantes em torno de duas falas que se inscreveram na história do século XX, não apenas português, mas universal, porque universais eram as suas apostas vitais e poéticas. De certo modo estamos sempre a esperar – em Portugal, ou no Brasil, ou nesse ocidente continuamente conturbado por vilanias e perseguições – poder redizer com a mesma alegria os versos de Sophia quando sobreveio o 25 de Abril de 1974:

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Esta é a madrugada que eu esperava 
O dia inicial inteiro e limpo 
Onde emergimos da noite e do silêncio 
E livres habitamos a substância do tempo 

 

          Assim, sob a égide de Sophia e Sena, convidamos a todos para, no espaço do Real Gabinete e no espaço da Faculdade de Letras/UFRJ, conjuntamente comemorarmos essas vidas e obras que tanto prezamos.

 

A Comissão Organizadora

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